sexta-feira, 8 de julho de 2011

Miuccia Prada

HÁ APENAS DOIS ANOS DE COMEMORAR O CENTENÁRIO, A GRIFE PRADA MANTÉM-SE NAS MÃOS DA NETA DE SEU FUNDADOR

Miuccia Prada tinha tudo para não seguir os passos do avô. Simpatizante do partido comunista, ela optou por estudar Ciências Sociais e teatro, mas aos 29 anos acabou por assumir a empresa da família e, contrariando (e superando) as expectativas, sucedeu nos negócios. Transformou a marca de acessórios de couro e baús de viagem em um conglomerado que dita tendências na moda.

Nascida em 1949, em Milão, conheceu, aos 28 anos, Patrizio Bertelli , um homem que começou seu próprio negócio no setor de acessórios de coro com apenas 17 anos. Além de se tornar seu marido, Bertlli se mostrou indispensável como diretor comercial da Prada.

Miuccia e Patrizio se completam. "Ele é a cabeça, e nós somos os braços", diz Miuccia referindo-se ao marido e à equipe de criação. A parceria de 34 anos é uma das mais bem sucedidas do mundo da moda. Desde que se conheceram, em uma feira de negócios de Milão, fizeram a empresa alcançar um nível de performance que seu fundador, Mario Prada, talvez nunca sonhou. São 4 marcas (Prada, Miu Miu, Church’s e Car Shoe) e 267 lojas em 65 países. Por ironia do destino, Mario Prada não acreditava que mulheres fossem boas para negócios.

A primeira investida criativa de Miuccia no universo fashion foi em 1985. Subvertendo a ordem tradicional da empresa em trabalhar com couro, lançou uma coleção de bolsas feitas de nylon preto e, em 1989, desenhou a primeira coleção de roupas femininas. Com isso a marca conquistou celebridades de todo o mundo e viu-se, então, a oportunidade de criar uma outra grife, a Miu Miu.

Este segundo grande passo da estilista visava atingir um público mais jovem. Com referências trazidas de seu próprio armário, a Miu Miu (apelido da criadora) faz o estilo mais cool e tem preço um pouco mais acessíveis que a primeira grife. Em contraposição com outros estilistas que buscam referências externas, Miuccia é conhecida por usar a intuição na hora de criar suas coleções,.

Ao longo dos anos ela e seu marido desafiaram alguns riscos e enfrentaram altos e baixos na economia e na moda, mas o resultado tem sido positivo. No ano que tomou a frente da Prada, a empresa vendia cerca de US$ 450.000. Hoje ela já está na marca dos US$ 1.7 bilhões. Um crescimento vertiginoso.

Esses números não fazem de Miuccia Prada uma fashionista deslumbrada. Talvez por ter outros interesses e uma estreita relação com assuntos humanitários, - como os direitos das mulheres pelo qual militou nos anos 1970 - para ela a moda não deve ser levada tão a sério: "Eu amo moda, mas acho que ela deveria ficar em seu lugar, e não ser uma regra em sua vida. É uma boa parte da sua vida, mas deve ser diversão."

domingo, 3 de julho de 2011

A ESTÉTICA GRUNGE DO ESPETÁCULO PEQUENAS FRESTAS DE FICÇÃO SOBRE REALIDADE INSISTENTE (PFDFSRI) DA CENA 11 CIA DE DANÇA


PARA MUITAS PESSOAS DA MINHA GERAÇÃO, HOJE NA CASA DOS 30 ANOS, QUE ASSISTIREM PEQUENAS FRESTAS DE FICÇÃO SOBRE REALIDADE INSISTENTE (PFDFSRI) (2006), DA CENA 11 CIA DE DANÇA, NÃO SERÁ DIFÍCIL CAPTAR UMA CERTA VIBRAÇÃO GRUNGE ENTORNO DO ESPETÁCULO. A ESTÉTICA GRIS, DO PALCO E DO FIGURINO, É APENAS O FATOR MAIS APARENTE QUE NOS REPORTA AOS ANOS 90. REMONTANDO A HISTÓRIA DESTA COMPANHIA DE DANÇA, ENCONTRAMOS DIVERSOS E SUTIS ELEMENTOS DESTA CULTURA PÓS-PUNK.


BACK TO 1994

Precisamente, o ano de 1994 (ano da inauguração da Cena 11) foi determinante para o que aconteceria na música nas próximas décadas. Em abril daquele ano, Kurt Cobain, líder do Nirvana, decidiu por fim à sua vida, levando com ele a breve era grunge do rock, porém, deixando o sentimento de apatia social como herança para aqueles que ficaram.

Devido ao descontentamento dos caminhos que estavam sendo construídos pela cultura de massa, muitos jovens naquela época, assim como Kurt Cobain, estavam angustiados e descrédulos quanto ao futuro. Esses sentimentos eram expressados pelo comportamento indolente e pela música, através de melodias simples e sujas.

Paradoxalmente, com a emergência de novos artistas, o ano de 1994 refletiu um outro lado de seu zeitgeist. Um lado mais híbrido e disposto a absorver novas tecnologias para produção cultural.

Nos Estados Unidos, o músico Beck lançava o disco Mellow Gold, influenciado pelo folk e, incorporando a este, elementos eletrônicos em melodias com letras oblíquas e irônicas: uma colagem musical que relembrava a pop art e trazia para a música, a entropia e o cinismo, característicos da pós-modernidade.

Já no Brasil, também em 1994, a banda Chico Science e Nação Zumbi, do movimento MangueBeat traduziram o significado da entropia cultural da pós-modernidade, para a realidade brasileira da urbanização desordenada. Misturando o maracatu - ritmo do folclore pernambucano - com o rock, hip hop e a música eletrônica, a canção "Da lama ao Caos", do álbum de estréia com o mesmo nome, dizia: "Posso sair daqui para me organizar, posso sair daqui para desorganizar".

Neste caldeirão cultural cozinhava-se, junto e ao mesmo tempo, linguagens e novos suportes tecnológicos, tanto para produção quanto para distribuição de arte. As filmadoras portáteis, os CDs, a computação gráfica, a televisão a cabo eram então absorvidas no cotidiano das pessoas.

E A CENA 11 COM ISSO?

A criação e as propostas da companhia de dança Cena 11, já no seu espetáculo de estréia, Respostas Sobre Dor (1994), evidenciavam a hibridação das linguagens e de aparatos tecnológicos com a dança, através do uso de vídeo, poesia microfonada e música ao vivo. Principalmente se observado em retrospectiva, vemos a transposição dos valores da pós-modernidade e a da contra-cultura sendo inspirados e expirados pelos bailarinos, desde que o trabalho do grupo começou.

No segundo espetáculo a Cena 11 apropria-se do movimento MangueBeat para criar O Novo Cangaço (1996). Este espetáculo marcou a busca de uma universalidade cultural híbrida da alta cultura e da baixa cultura, do corpo e da identidade, e finalmente, do presente e do ausente através de videocoreografias inseridas nas entre cenas do espetáculo.

Em IN'Perfeito (1997), a coreografia ganha a música do rock industrial de Nine Inch Nails (NIN). Muitas vezes tida como experimental, esta banda foi responsável por trazer para os anos 90, a mistura da sintetização sonora com letras que iam do desespero introspectivo às críticas sociais, criando uma carga sombria e quase catastrófica - algo esteticamente parecido com um pós-mundo, habitado por fragmentos meio humanos, meio máquinas, decadente. Seguindo a raia do inorgânico (sintético) da música adotada, esta coreografia narra, então, um homem cibernético, mas aparentemente mal adaptado a máquina fundida em seu corpo (representada por pernas de pau, máscaras e andaimes usados pelos bailarinos), criando movimentos desengonçados, e assim, gerando um desconforto para o público - sensação que, por sua vez, remete de volta às críticas explicitadas pelo NIN. A esta altura, talvez seja interessante notar que o reconhecimento mundial do NIN se deu em 1994, com seu terceiro álbum, The Downward Spiral, mesmo ano que aconteceu a segunda (e desastrosa) edição do Woodstock, no qual eles participaram.

A Cena 11 faz sua última montagem do milênio em 1998, com A Carne dos Vencidos no Verbo dos Anjos, baseado na poesia de Augusto dos Anjos; e, no ano 2000 invadem o mundo do videogame com o espetáculo Violência - este todo produzido sobre a simbologia dos jogos de guerra e de caça (monstros, zumbis e vampiros), e usando técnicas de computação gráfica para o cenário.

Estando, então, estabelecidos como referência da dança contemporânea transmídia no Brasil, o grupo mostra interesse não apenas na pesquisa de espaço e movimento na dança, mas também com a interdisciplinaridade da arte contemporânea, principalmente, nas suas investidas tecnológicas, indispensáveis na era digital, culminando, então, no espetáculo interativo - sendo a interatividade o fenômeno máximo da era digital - entre bailarinos e público, o Projeto SKR (2002).

Depois, em 2005, o espetáculo SKINNERBOX, usa a psicologia comportamentalista para questionar o comando e a liberdade corporal, tendo a robótica como objeto representativo desta condição. Ou seja, a dança interdisciplinar incorpora a psicologia, que por sua vez estuda a liberdade do corpo.

 PFdFSRi., POR UMA SAUDOSISTA

Em 2006 estréia PFdFSRi. Com cenário e iluminação discreta, o palco, inteiramente cinza, tem ao fundo, uma tela onde as pessoas da platéia são projetadas. Ao aparecerem os rostos, os olhos são censurados por uma tarja preta sobreposta graficamente à imagem.

Uma guitarrista acompanha a coreografia, em um timbre agudo e voz suave. Além desta fonte musical, muitas vezes os próprios bailarinos participam da trilha sonora batendo em objetos percussivos ou produzindo um estrondo ao jogar os próprios corpos contra o chão do palco. O resultado é uma estética tanto visual como musical, agressiva e minimalista.

Além da estética minimalista e monocromática (música e cenário), outros elementos lembram muito o grunge. As poucas cores que se apresentam no espetáculo ficam por conta de objetos que encenam junto com os bailarinos: boneca, espantalho, balões de hélio, cachorro e um dispositivo que dispara bolinhas de paintball. Estas referências infantis foram, frequentemente, usadas pelos artistas grunges - principalmente pelas feministas grunges, as Riot Grrrls - em videoclipes e capas de disco. Essas mulheres, (de bandas como Babes in Toyland, Hole e Bikini Kill) usavam vestidos parecidos com os que vemos no figurino de PFdFSRi, e que lembram roupinhas de boneca, contrastando com o coturno preto dos pés.

A tecnologia usada neste espetáculo foi desenvolvida exclusivamente para ele. Bolas de paintball são automaticamente atiradas contra a bailarina protegida por um escudo transparente de 360º. Assim como na vida, ela depende desses estímulos externos - que por sua vez, são vinculados as projeções dos rostos da platéia no palco - para decidir seu próximo movimento.

A narrativa de PFdFSRi, é uma sequencia de movimentos que parecem estar sempre lutando contra uma força externa. Esta luta é nítida na primeira cena: de dois em dois, os bailarinos se revezam em um ato onde um deles inflige uma posição e uma força sobre o outro que, por sua vez, deve acatar, porém com certa resistência. Eventualmente esta resistência rompe com a força imposta. Esta luta de forças está presente não só na crítica anti-cultura de massa do grunge, mas em todas as formas de culturas não hegemônicas. Porém pela dramaticidade quase submissa representada no palco, lembramos muito dos anos 90, quando a utopia anti-capitalista desvanece, deixando todos órfãos de uma ideologia alternativa, e consequentemente, entregando-se muitas vezes a esta força maior. No caso do grunge, esta força era a Indústria Cultural para quem "ele" submeteu-se. No entanto, esta relação durou pouco tempo pois, com o fim do Nirvana, este estilo perdeu apelo comercial, e voltou ao anonimato.


Ao contrário do grunge, não é para o anonimato que a Cena 11 parece estar caminhando. Além dos vários prêmios que reconheceram a importância da pesquisa e prática do grupo, após PFdFSRi, foram montados outros seis espetáculos, sendo o último, SIM: Ações integradas de consentimento para ocupação e resistência – Ação #02 (2010). A equipe, patrocinada pela Petrobrás, dedica-se integralmente a esta companhia, e podemos esperar por algo novo em breve.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

QUANDO AS LEIS DA NATUREZA CONTRADIZEM SEU CRIADOR


NO LIVRO CRIAÇÃO IMPERFEITA - COSMO, VIDA E O CÓDIGO OCULTO DA NATUREZA (SÃO PAULO: RECORD, 2010), O PROFESSOR DE FILOSOFIA NATURAL E DE FÍSICA E ASTRONOMIA, MARCELO GLEISER NOS MOSTRA ATRAVÉS DE DADOS HISTÓRICOS, DO ÂMBITO CIENTÍFICO E FILOSÓFICO, QUE A EXISTÊNCIA DO SER "COMPLEXO" E "INTELIGÊNTE" NO PLANETA TERRA, NÃO É RESULTADO DE UM PLANO PRÉ-CONCEBIDO POR UM UNIVERSO CONSCIENTE - DEUS. ELE ARGUMENTA QUE O HOMEM É UM SER IMPROVÁVEL, FRUTO DA ASSSIMETRIA DE COMPOSTOS ORGÂNICOS: A VIDA INTELIGENTE EXISTE POIS,  AO LONGO DESTES 15 BILHÕES DE ANOS, DESDE O BIG BANG, UMA CADEIA DE EVENTOS QUÍMICOS E FÍSICOS A PROPICIARAM. 



Imagem mostra as etapas ddesde o Big Bang até o Universo que conhecemos hoje. Disponível em: http://news.softpedia.com/newsImage/Nuclear-Chemistry-of-the-Big-Bang-2.jpg.

Neste livro sobre a Criação do Universo, , Gleiser questiona a tendência que a ciência tem em buscar a resposta na Teoria Final, onde o Código Oculto da Natureza se revelará mostrando a perfeição simétrica da matemática em que tudo existe. 

Para Gleiser, esta Teoria Final, difundida e estudada poe cientistas unificadores como Pitágoras, Aristóteles, Kepler e Einstein (GLEISER, pp. 25), continua repercurtindo devido a educação monoteista predominante na socidade ocidental. A premissa de termos apenas um Deus em que depositamos nossa fé, reflete na hipotização com embasamentos cientificos para uma teoria que explica toda a criação do Universo por um único evento.

Para leigos/curiosos sobre o grande cosmo e à origem e destino da vida, é um livro extremamente esclarecedor e revelador. Dividido em cinco partes, ele explica como a vida, o tempo, a materia e a existência são construídas em cima de partes assimétricas, ou seja, resultado de um jogo de balanço que varia o tempo todo entre o positivo e o negativo, o quente e frio, o muito e o pouco.

Na Parte I do livro, Gleiser faz um levantamento histório dos maiores cientístas desde Tales, passando pelas descobertas de Pitágoras, o pensamento Platônico, os erros e acertos de Kepler, as desventuras de Copérnico e Galileu e o relativismo de Einstein. Ele expõe como e porque a ciência tenta, até hoje, encontrar uma resposta na Teoria Final, onde o Código Oculto da Natureza se revelará mostrando a perfeição simétrica da matemática em que tudo existe. Ele argumenta que NÃO devemos estacionar as buscas pelos mistérios da criação na Teoria Final, mas sim expandir nossos conhecimentos através de outros pontos de vistas. Que devemos nos preparar para a idéia de que não somos fruto de um plano pré-concebido por um Universo consciente. Que estamos aqui porque a natureza aconteceu assim e nos incubiu da mente do Universo. O que ele nos diz é que talvez não exista um porquê final. Que talvez sejamos apenas uma consequência de fatos; Que não tenhamos respostas para tudo e, que devemos simplesmente cuidar da nossa sobrevivência. Que o fato de estarmos aqui refletindo o porquê de tudo seja mera obra do acaso. Mas que isso não deve nos desincetivar na busca de um ideal mais justo. Pelo contrário: devemos nos achar ainda mais especiais por termos tido a chance de existir. A mensagem do livro pode ser muito simples... Salvem o Planeta Terra pois é só neste cantinho do Universo que temos a certeza que poderemos desfrutar de jardins maravilhosos.

Quanto a fé em Deus, Gleiser acredita que ela seja muito importante para as pessoas. A fé é benéfica socialmente e psicologicamente. Ele critica o ateísmo radical dizendo que "se a intenção de alguns é tirar a religião das pessoas, é bom oferecer um outro tipo de ópio" (referindo-se à famosa frase de Karl Marx: "A religião é o ópio do povo"). E continua "O que o ateísmo oferece - mesmo com todo o seu apelo à razão e a lógica da ciência - não vai funcionar. Ao menos não como costuma ser apresentado, sem qualquer vestígio de espiritualidade." (GLEISER, pp. 41).  A espiritualidade de Gleiser, ele explica, é inspirada pela natureza, é uma celebração da vida.

Neste ponto encontramos um elo com a vida de Darwin contada no filme  "A Criação". Diferente do que o título pode sugerir para alguns, pouco é abordado sobre a Criação da vida na Terra e os experimentos do biológo. Ele trata mais do dilema religioso que assombrou a sanidade de Darwin apartir de suas descobertas sobre a origem da vida  e acentuado depois da morte precoce de sua filha Anne aos 9 anos.

 O filme mostra a relutância de Darwin em concluir seu trabalho em "A Origem das Éspécies" devido a sua educação católica e a inabalável fé de sua esposa, Emma. Mas com a morte de sua filha Anne  ele opta por contrariar seus dogmas religiosos e, finalmente, publicar sua teoria.

Apesar de tudo isso, Darwin nunca abriu mão completamente da crença em uma força maior, afirmando que o fato de provar que a vida acontece por si só não exclui a possível existência de Deus. Em uma carta para John Fordyce em 1879, ele escreveu: "Nas minhas flutuações extremas, eu nunca fui um ateu no sentido de negar a existência de um Deus. Penso que, em geral, e cada vez mais assim que envelheço - mas não sempre - que um agnóstico seria a mais correta descrição do meu estado de espíruito"   

Tanto o livro Criação Imperfeita quanto o filme A Criação mosram incertezas sobre o futuro da humanidade e as verdades da natureza. São cientistas que procuram uma resposta que não destitua o instinto humamno da beleza do  perpetuar a bondade através da fé religiosa, podendo este ser um sentimento fantasioso e abstrato, mas que tem mantido alguma ordem social e ajudado homens e mulheres a serem mais felizes.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

PERSONA (INGMAR BERGMAN)

PERSONA É UMA PALAVRA ITALIANA QUE DERIVA DO LATIM PER SONARE, QUE SIGNIFICA "SOAR ATRAVÉS DE". É UMA MÁSCARA USADA NO TEATRO PARA REPRESENTAR O PAPEL.  NESTE FILME AS MÁSCARAS SÃO MENCIONADAS, SUBJETIVAMENTE, PARA OS ESPECTADORES. A ATRIZ ENTRA EM CRISE POR NÃO QUERER MAIS REPRESENTAR, ENGANANDO-SE, POIS MESMO SEM FALAR ELA ESTARÁ REPRESENTANDO. O FILME ABORDA AS MÁSCARAS QUE USAMOS DIARIAMENTE. 


O FILME Uma atriz que está atuando na peça Elektra, de repente, no meio da apresentação, fica muda. Cria-se aí, um clima de mistério e suspense. Mas logo ela se recompõe e pede desculpa, dizendo que teve vontade de rir. No dia seguinte, volta a silenciar e entra num estado de quietude total. Essa situação a impede de trabalhar e ela passa a ser cuidada por uma enfermeira. Para o tratamento as duas se retiram em uma casa na praia e acabam se envolvendo emocionalmente. A enfermeira conta sobre suas ansiedades e experiências, mas ao longo dos dias começa a se incomodar com o fato da atriz não interagir e a acusa, indiretamente, de egoísta. Culmina em uma briga e, então, o filme desenvolve a trama sobre as duas mulheres.
Na psicologia, Carl Jung usou o conceito de "máscara" para explicar como nos adaptamos, ao meio exterior que presenciamos, para facilitar a comunicação. A máscara é uma forma de buscar aceitação. 
O filme é relativamente curto (85 minutos), porém extremamente denso. Considerado minimalista por usar apenas cinco atores - sendo que apenas as duas principais aparecem por mais de um minuto - com figurino reduzido e pouquíssima maquiagem.
A fotografia é muito bem elaborada. O frequente uso da sobreposição do rosto das duas mulheres é um recurso visual usado pelo diretor para representar como suas personagens a se mesclar . Principalmente a enfermeira que, por admiração doentia, passa a desejar ser a atriz. 
O filme tem aspectos experimentais de caráter autoral: durante a narrativa a câmera se volta para os bastidores, mostrando, inclusive, o próprio Bergman, como que para nos lembrar que é apenas um filme, e não fazemos parte da história. Isto acontece na introdução do filme, na metade e no final. 
A introdução  é um experimento visual com imagens aparentemente desconexas que terminam com um menino levantando-se da cama e indo de encontro a projeção de um rosto de mulher para acariciá-la. Talvez isso seja uma referência ao complexo de Édipo que, depois, fará uma "contra-referência" ao fato da personagem atriz estar atuando em Elecktra, que foi o mito base para o complexo de Elektra teorizado por Jung.
O filme é citado em algumas listas como uma das 100 obras mais importantes do cinema, e  alguns diretores vieram a fazer referência a ele, como Woody Allen em "A Última Noite de Boris Grushenko" e David Lynch em "Mulholand Dr.".
A poética do filme é fundada em impressões de importância pessoal para o diretor, tendo se preocupado pouco com a reciprocidade do público . Em seu livro "Imagens", Ingmar Bergman afirma: "Um ponto significante: pela primeira vez eu não me importei se o resultado [do filme] seria um sucesso comercial..."

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

CONFLITOS DA ALMA GANHAM NARRATIVA A MODA DE CHARLIE KALFMAN


É IMPOSSÍVEL NÃO RELACIONAR A HISTÓRIA DE "ALMAS À VENDA", ESCRITO E DIRIGIDO POR SOPHIE BARTHES, COM AS NARRATIVAS MUITO BEM ENTRANHADAS DE CHARLIE KALFMAN.

Depois de infiltrar seus personagens dentro do cérebro alheio em "Quero ser John Malkovich", inventar uma forma de sumir com memórias indesejadas no romance "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças", ensinar etiqueta a ratos de laboratório em "Natureza Quase Humana", ser seu próprio protagonista em "Adaptação.", e confundir o público no que diz respeito à ficção e realidade em "Confissões de uma Mente Perigosa" (Ufa!), Kalfman deixou uma forte marca de seu trabalho sobre conflitos existenciais e um legado de fã de filmes "psico-fictícios" (em oposição à ficção científica).

"Almas à Venda" (2009) é mais um belo roteiro, que apesar de previsível para quem já conhece o trabalho de Kalfman, pode entreter e dar motivos para quem ainda não conhece, ir atrás. Porém, com perdão da insistência na comparação, Sophie Barthes não inova e tão pouco faz tão bonito quanto o colega veterano, Kalfman. O enredo de Barthes apresenta situações desconexas, que pouco enriquecem a história. E, além disso, o filme falha em causar emoção no espectador. Ele é pouco engraçado, pouco dramático e pouco charmoso.

Estreando na direção de longas, Sophie Barthes fez de seu filme uma cópia cuspida de um pout-pourri dos filmes citados aqui no início. "Almas à Venda" parece fraco, sem os recursos bizarros que ilustram a desconstrução de mentes, e apresenta atuações comuns.

Da mesma forma que Kalfman usa um personagem real para uma história fictícia como Jonh Malkovich interpretando ele próprio em "Quero ser John Malkovich", desta vez é Paul Giamatti ("O Anti-herói Americano" e "Sideways"), como ele mesmo, que está passando por um período difícil e decide que o que o aflige é o peso de sua alma.

A criatividade de Barthes nos leva, então, à uma clínica onde, com uma máquina parecida com a de Ressonância Magnética, pode-se remover a alma e, se quiser, trocar por outra. A trama fica por parte dos russos. Depois que Paul Giamatti se livra de sua alma, ele percebe que não sente mais nada e decide devolvê-la ao seu corpo, porém descobre que ela foi roubada pela máfia russa de almas. (!!!!???? The russians!!!!!!!!)

Não espere por detalhes de "comos" e "porquês". O filme é mais uma possibilidade absurda que Barthes encontrou para aliviar a dura pena de levar a vida preso a um corpo condenado à realidade existencial.

O título original , "Cold Souls" (Almas Frias), parece refletir mais a atmosfera do filme com seus personagens indiferentes à essência da alma. Talvez seja possível traçar um paralelo com a banalização das cirurgias estéticas hoje em dia.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

CINEMA, POLÍTICA E POESIA


COMO GLAUBER ROCHA SE APROPRIOU DA POESIA E DO CINEMA PARA MOSTRAR AO MUNDO O SEU PONTO DE VISTA SÓCIO-POLÍTICO DURANTE OS ANOS DE CHUMBO DO BRASIL

UMA IDEIA NA CABEÇA E UMA EQUIPE DE AMIGOS

"Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão" foi a frase que eternizou Glauber Rocha como o ícone brasileiro do Cinema Novo; porém esta sua frase não condizia com toda a realidade do diretor. Por mais simples que fossem as produções de seus primeiros filmes, Barravento e Deus e o Diabo na Terra do Sol, sem sua equipe de produção, fotografia, montagem, etc, Glauber nunca finalizaria o produto como idealizara. Por mais impactante que seja o efeito da famosa frase de Glauber, e que de certo modo é verdade no momento inicial da criação, ela é um pouco injusta com as outras pessoas que trabalharam para fazer os filmes.

Nos documentários que acompanham as edições lançadas em DVD de Deus e o Diabo e Terra em Transe, a equipe que trabalhou com Glauber relata como foi o processo de produção dos filmes, tornando possíveis que as ideias do roteiro fossem vividas por atores para o mundo. De acordo com os depoimentos, eles se viravam e desdobravam (as vezes infrutificamente) para comprar películas, criar uma cena, passar uma emoção, e vislumbrar os olhos de apaixonados por cinema. 

São vários os relatos que circulam os bastidores das filmagens deste cineasta, e tão ilustrativos no que diz respeito ao tempo e lugar de onde foram feitas, que para a geração que procedeu, é uma verdadeira lição de História do Brasil. As informações da primeira parte deste texto provêm desses depoimentos dados pelos técnicos, atores, assistentes e até a mãe de Glauber Rocha.

GLAUBER: O CINESTA, O ARTISTA

Glauber Rocha nasceu em 1939  numa família de classe média de Vitória da Conquista (BA), e recebeu educação religiosa em uma escola de Salvador, onde foi morar com a família em 1947. Com cerca de 12 anos, Glauber pediu ao pai que o levasse em algumas viagens de trabalho pelo nordeste, e assim, precocemente, começou a pesquisar os hábitos do povo nordestino. Em 1954 ele começa a frequentar o Clube de Cinema do crítico Walter da Silveira em Salvador. Ele, também, chegou a ingressar na faculdade de Direito da Bahia, mas logo desistiu para trabalhar como jornalista.

O momento em que Glauber estava começando a produzir seus roteiros e afiando suas ideais cinematográficas, era um de efervescência cultural no país. O cinema cresceu e evoluiu na Bahia diante do desenvolvimentismo econômico surgido no governo de Jucelino Kubitschek. Este desenvolvimento refletiu não só no cinema, como em outras áreas da cultura e em outras regiões, permitindo um grande intercâmbio entre os artistas de todo o país. Havia um forte movimento na literatura, na poesia, na música, na artes plásticas e no teatro.

Outro fato que marcou o momento foi a falência dos grandes estúdios de cinema como, no Brasil, a Companhia Vera Cruz. Jovens, então, buscavam no neo-realismo italiano, uma nova forma de fazer e pensar em cinema, adaptando a gramática cinematográfica dentro de um novo paradigma mais realista, mais preocupado com o conteúdo social e menos custoso. Era a linguagem do Cinema Novo  e o cinema independente que eclodia em vários países do mundo.

O Tropicalismo acontecia na cena cultural brasileira na  voz de Caetano Veloso, nas mãos de Hélio Oiticica, nos gestos de Zé Celso, mas só se completaria nos olhos de Glauber. O Cinema brasileiro inventava uma linguagem própria que vislumbrava o Cinema Novo europeu, com as características tupiniquins. Porém de "índio" (no sentido pejorativo) nada tinham esses brilhantes cineastas.

Diferente do que muitos venham a pensar, o Cinema Novo brasileiro era muito preocupado com a técnica: a montagem, o som, a luz. Apreciavam a naturalidade de cada componente, porém as pensavam de forma complexa para que o resultado dessa orquestra fosse harmoniosa no sentido de fazer ressonar as metralhadoras e flores caindo no chão, sistematicamente, na medida que os acontecimentos políticos-sociais se faziam presentes, as vezes de forma sutil, as vezes chutado no âmago do brasileiro.

TERRA EM TRANSE

No caso do filme Terra em Transe, Glauber produziu uma obra de cunho sócio-político. É o momento do Golpe Militar no Brasil contado através de um artista brasileiro inserido no apogeu do Tropicalismo e Cinema Novo. O público, e principalmente, a crítica especializada, aplaudiu a maneira que as metáforas e alegorias foram usadas para contar a História, então recente, do país.

Com uma narrativa não-linear e o uso de poesia, Glauber fez um "filme sobre política, e não um filme político", como ele mesmo afirma em uma gravação que aparece no documentário que acompanha Terra em Transe. Devemos lembrar também que, apesar da história se encaixar tão bem com o janguismo e os acontecimentos da primeira metade dos anos 1960, Glauber deixou explícito em uma entrevista dada em 1967 para a Revista Arte, que o filme é sobre o "transe [político] latino, e não do brasileiro, em particular."

Apesar de ter sido censurado em abril de 1967, o filme foi, após uma carta enviada pelo advogado da produtora do filme explicando as intenções do diretor, liberado para maiores de 18 anos. De acordo com o advogado, Glauber não passa nenhuma mensagem subliminar partidária, mas faz uma crítica geral a um país fictício. Todos os documentos trocados entre a produtora e o departamento de censura do DFSP (Departamento Federal de Segurança Pública), ficam disponíveis para pesquisa no site Memória Cine Br.



POESIA

Antônio Calmon, assistente de direção em Terra em Transe, conta que Glauber começou a usar a poesia em Deus e o Diabo para mascarar a falta de recursos, e em Terra em Transe encorporou a poesia no texto como um estilo[1]. Diz também que no texto, produzido durante o exílio de Glauber em Roma, as palavras foram meticulosamente escolhidas para dar o tom certo aos personagens sem a intervenção do "baianês" que era natural do diretor. Glauber parece que não cansava de inovar, recriar e significar a linguagem cinematográfica para que, mesmo através das metáforas, conseguisse mostrar a realidade do jeito que acreditava.

Poesia e política se misturam e brigam durante o filme. Este conflito é vivenciado pelo protagonista Paulo Martins, um jornalista e poeta que oscila sua opinião política entre o amigo direitista Porfírio Diaz, e o candidato populista, Felipe Vieira, a quem está apoiando na eleição.

Durante o filme, em alguns trechos, ouvimos a voz de Paulo refletindo em forma de poesia sobre seus dilemas políticos. A força dos versos que declara reflete a vontade quase insana de mudança e justiça social no seu país, o fictício Eldorado, e também, o lado romântico dos revolucionários.

A primeira vez que ouvimos sua poesia é no começo do filme (que na sua narrativa não-linear, é o final da história), quando Paulo é baleado após ignorar a ordem dada pela polícia militar de parar o carro. Ele, então, profere seu descontentamento com o partido de direita, inclusive, mencionando Cristo, pois este partido usa a moral cristã como propaganda política (apesar de que no filme, o padre apoia os populistas).

Não é mais possível esta festa de medalhas,
este feliz aparato de glórias,
esta esperança dourada nos planaltos.
Não é mais possível esta marcha de bandeiras
com guerra e Cristo na mesma posição!
assim não é possível a ingenuidade da fé,
a impotência da fé...


No final do filme, quando a narrativa volta ao começo para, realmente terminar a história, ouvimos novamente estes versos, mas desta vez complementados com as palavras que demonstram sua frustração também com o partido populista por não entrar numa luta armada pelo poder do povo. Ele se vê morrendo junto com a esperança que tinha de vencer sua guerra pela justiça social, acusando o povo de covardia e indolência.

Não é mais possível esta festa de medalhas,
este feliz aparato de glórias,
esta esperança dourada nos planaltos.
não é mais possível esta marcha de bandeiras
com guerra e Cristo na mesma posição!
assim não é possível a ingenuidade da fé,
a impotência da fé...
Não é mais possível.
Somos infinita, eternamente filhos das trevas,
da inquisição e da conversão!
E somos infinita e eternamente filhos do medo,
da sangria no corpo do nosso irmão!
E não assumimos a nossa violência,
não assumimos as nossas ideias,
como o ódio dos bárbaros adormecidos que somos.
Não assumimos o nosso passado,
tolo, raquítico passado, de preguiças e preces
uma paisagem, um som sobre almas indolentes...
Essas indolentes raças da servidão a Deus e aos senhores.
Uma passiva fraqueza típica dos indolentes.
Ah! Não é possível acreditar que tudo isso seja verdade!
Até quando suportaremos?
Até quando, além da fé e da esperança suportaremos?
Até quando, além da paciência, do amor suportaremos?
Até quando, além da inconsciência do medo,
além da nossa infância e da nossa adolescência, suportaremos...

Quando Paulo está morrendo, se dá conta que o seu esforço político não vingará e tampouco, será compreendido escutamos sua voz:

Estou morrendo agora, nesta hora,
estou morrendo neste tempo.
Estão correndo meu sangue e minhas lágrimas.
Ah, Sara! Todos vão dizer que sempre fui um louco, um romântico, um anarquista que sempre...
ah, não sei, Sara...

Glauber Rocha, fez um bom trabalho em manter-se imparcial quanto a sua posição política, através do impasse partidário do protagonista Paulo. Porém, ao mesmo tempo retratou poeticamente a miséria e o descaso dos governantes com o povo, os interesses que fazem a roda da política girar, e a influência que a economia estrangeira apresenta nas decisões governamentais.

A natureza da revolta com as injustiças cometidas pelos governantes é o seu amor pelo povo e pela terra. Paulo é um poeta extremamente passional e, talvez, por isso encontre no sangue a única saída para a paz e justiça. Apesar de ser poeta, ele acredita que palavras não têm forças para transformar uma sociedade oprimida e, por isso, vive o dilema da luta armada e da vitória através do debate, defendido pela mulher que ama, e simpatizante da esquerda, Sara.

Mar bravio que me envolve neste doce continente.
A este esquecimento posso doar minha triste voz latina,
mais triste que a revolta,
muito mais...
Vomito na calle o ácido dólar,
avançando nas praças entre "niños, sucios, con sus ojos de pajaros ciegos."
Vejo que de sangue se desenha o Atlântico,
sob uma constante ameaça de metais a jato.
Guerras e guerras nos países exteriores.
Posso acrescentar que na lua, um astronauta se deu por achado.
Todas as piadas são possíveis nas tragédias de cada dia.
Eu, por exemplo, me dou a vão exercício da poesia.

A poesia em Terra em Transe é uma faceta importante do filme, e retrata muito bem o lado romântico da força que movia os "rebeldes" brasileiros dos anos 1960: jovens em busca de uma verdadeira democracia, e de  liberdade. É a poesia que também complementa o tom e o ritmo experimental do filme.

Mas acredito que não é só das palavras que se constroe os versos harmoniosos. A fotografia, a atuação, a montagem e a sonoplastia também apresentam uma linguagem cinematográfica ritmada.

Glauber Rocha, de sua forma, encontra na poesia uma porta que permite as ciências sociais serem interpretadas artisticamente. Em outras palavras, ele aceita e se faz servidor de um Cinema Novo; de um cinema autoral, cuja função deixa de ser puramente artística, e passa a exercer, também, o papel ciências sociais.




REFERÊNCIAS


DEUS e o Diabo na Terra do Sol. Direção Glauber Rocha. Produção: Luis Augusto Mendes. Intérpretes: Geraldo Del Rey; Yoná Magalhães; Maurício do Vale; Othon Bastos e outros. Roteiro: Glauber Rocha e Walter Lima Jr. Música: Sérgio Ricardo. Rio de Janeiro: Rio Filmes. c. 1964. 1 DVDs (125 min) Full screen. P & B. Produzido por Rio Filmes. 2 DVD documentário. Versão Rewtaurada e Remasterizada por Versátil Home Vídeo.


MEMÓRIA da Censura no Cinema Brasileiro - 1964 -1988. Iniciativa: Recosdar Produções e Petrobrás. Patrocínio: Petrobrás. Apoio: Ministério da Cultura do Governo do Brasil. Disponível em: <http://www.memoriacinebr.com.br/ >. Acesso em: 02 dez. 2010.


TERRA em Transe. Direção: Galuber Rocha. Produção: Zelito Viana. Intérpretes: Jardel Filho; Paulo Autran; José Lewgoy; Glauce Rocha; Hugo Carvana e outros. Roteiro: Glauber Rocha. Música: Sérgio Ricardo. Rio de Janeiro: Rio Filmes. c. 1967. 1 DVDs (115 min) Full screen. P & B. Produzido por Rio Filmes. 2 DVD documentário. c. 2006 por Paloma Cinematográfica.

[1] Em depoimento do documentário que acompanha Terra em Transe.
 

A MÚSICA AGRIDOCE DE MR. E.



MR. E., OU APENAS E. (PRONUNCIA-SE "I") É A ABREVIAÇÃO DE MARK OLIVER EVERETT, FUNDADOR E PRINCIPAL CABEÇA CRIATIVA DO EELS. PARA QUEM NÃO CONHECE, EELS (OU EELS) É UMA BANDA NORTE-AMERICANA QUE COMEÇOU NOS ANOS 90 E LANÇOU, NESTE MÊS DE AGOSTO, O SEU 9º DISCO DE ESTÚDIO, ÚLTIMO DA TRILOGIA QUE INICIOU NO ANO PASSADO.



CÍNICO, SARCÁSTICO, SINISTRO, SINGELO
Ao longo de sua trajetória musical, é interessante perceber como a vida pessoal do compositor é sua principal inspiração, e como a música funcionou não só como válvula de escape para seus anseios, como uma forma de refletir o prazer na dor. A polaridade está quase sempre presente em seus temas, no sentido de conseguir encontrar formas que neutralizam todos os sentimentos, mas ao mesmo tempo sem anulá-los. Por exemplo, ele consegue neutralizar a dor através do amor, sem deixar de sentir nenhum dos dois.

A história de Mr. E. começa no estado de Virgina, nos Estados Unidos, onde nasceu, em 1963. Ele lembra que no começo da sua vida, as tardes na residência da família Everett eram envoltas na música de Neil Young, cujo os discos sua irmã Elizabeth tocava repetidamente. Mr. E. culpa estas tardes por terem manifestado o gosto pelo folk. Quando tinha 19 anos seu pai morreu, e logo após a morte, Mr. E. decidiu mudar-se para Los Angeles onde se virou com bicos para pagar as contas, e compunha, freneticamente, o resto do tempo.

Seu primeiro álbum, "A Man Called E", foi lançado em 1992 pela gravadora Polydor. Em 1993, saiu o seu segundo, "Broken Toy Shop". Mas foi só em 1996 que Mr. E. adicionou, por questões burocráticas, algumas letras em seu nome e lançou o disco "Beautiful Freak" sob o registro de EELS. Foi aí que  o baterista Bucth e o baixista  Tommy Walter se juntaram a banda para fazer a turnê do recém lançado album, e, então o EELS ganhou reconhecimento mundial: deste álbum saiu a música "Novocaine for the Soul", que rendeu algumas nomiações para o MTV Awards, e recebeu o prêmio de Revelação Internacional do Brit Music Awards 1998. Além disso, alguns anos depois, a faixa "My Beloved Monster" foi o tema principal do filme "Shrek".

É um pouco difícil definir em que galho da árvore do rock repousa a sonoridade deste compositor. Nas influências ouvidas nos discos, encontramos a característica acústica do folk, as batidas do hip hop e trip hop, algumas guitarras sujas do grunge, o vocal rouco do blues, enfim... Uma miscelânea muito bem arranjada, típica de um artista que bebeu na fonte das contraculturas do século XX, e que teve seu ápice criativo nos anos 90. As letras variam entre a melancolia de viver perdas, desafetos, sentir-se incompatível com o mundo, e a doce redenção obtida pelo entendimento e aceitação de que, afinal, apesar de tudo, ainda existem coisas que valham viver por. Ele consegue criar frases com um afeito meio amargo, porém melodioso como nos versos "life is funny, but not haha funny" (a vida é engraçada, mas não haha engraçada) da música "3 Speed" ou "You're such a beautiful freak" (você é um lindo monstro) da música "Beautiful Freak". Uma  fórmula que encontra a beleza onde se vê a tristeza, ou uma forma compreensível de lidar com o desagradável.

É conhecendo um pouco da história da vida de Mr. E. que entendemos mais sobre o processo criativo atrás das canções: Seu pai foi um ilustre físico quântico, que habitava na terra dos números, preocupando-se em provar sua teoria dos Universos Paralelos. Sua mãe era uma poeta atormentada. Sua irmã sofria de depressão e, em 1996, cometeu suicídio.

Mr. E. descobriu sua propensão para música aos 8 anos quando convenceu seus pais a comprar uma bateria de brinquedo usada. Ao longo de sua infância e adolecência, tratou de melhorar suas habilidades musicais usando o piano da família e o violão empoeirado que encontrou no armário da irmã. Além disso, ocupou-se em causar problemas na escola e outras formas de desordem civil que o levou a passar uma ou outra noite na cadeia.

Dois anos após o lançamentro de "Beautiful Freak", é lançado "Eletro-shock Blues". Neste disco, ele trata exclusivamente de sua relação com a morte de sua irmã e o câncer terminal de sua mãe, que veio a falecer em 1998. A composição deste disco foi a forma que Mr. E. encontrou para compensar a perda de toda sua família, sendo ele, então, o único sobrevivente. Apesar da morbidez do tema, Mr. E. afirma que este é "provavelmente o disco mais positivo" que ele fará. A primeira faixa é a triste "Elizabeth on the Bathroom Floor", seguida por "Going to Your Funeral Part I". Porém outras faixas como "Hospital Food"  podem até colocar você para dançar numa batida jazzística tomada pelo contrabaixo, e humor bastante ácido na letra.

Como que para reafimar seu positivismo em relação a vida, Mr. E lança "Daisies of the Galaxy", em 2000, com músicas bem leves e livres da dor do passado. Uma coisa muita clara que vemos na discografia do EELS é a solidez como os temas abordados formam uma história. Este disco, no caso, fecha com o verso "Goddam right, it's a beautiful day" (Com certeza é um lindo dia"), dispensando maiores explicações sobre o tema central. Ele contou com a participação de Michael Simpson (Dust Brothers), Grant-Lee Phillips (Grant Lee Buffalo), e Peter Buck (R.E.M.), além  do piano que Neil Young usou para fazer o clássico "After the Gold Rush".

Neste mesmo ano, de aparentes boas vibrações, Mr. E casou-se com a dentista russa Anna. Eles se conheceram durante sua estadia em um retiro espiritual, mas cinco anos depois se separaram. A história, com começo/meio/fim, seria contada, maia tarde, em seu 8º álbum, "End Times".

No ano seguinte de "Daisies of the Galaxy", chega o álbum "Souljacker", muito mais roqueiro e barulhento que o anterior. Este foi inspirado por uma história verdadeira de uma serial killer da California que declamava não apenas tirar a vida das pessoas, como também roubava suas almas. Mais uma vez, o tema da morte e tormento está presente nas composições do EELS. O clima sombrio fica por conta da música "That's not really funny", com guitarras e vocal cuidadosamente distorcidos.  A música "Souljacker Part 1" ganhou um vídeo filmado pelo aclamado diretor Wim Wenders em uma antiga prisão da Alemanha Oriental.

As 13 faixas do 5º álbum, "Shootenanny!" (uma referência à cultura bélica norte-americana) foram gravadas ao vivo em estúdio durante 10 dias de 2003, e lançado no mesmo ano. Aqui percebemos uma volta a questões internas do compositor. Fala-se de amor, loucura, dias longos, coisas boas e ruins. Como se fosse um disco escrito para todos. Mas, defitivamente, fala de uma só pessoa: MR. E.. É o disco do EELS com mais "eus" escritos. ("I gotta", "I need", "I want", "I am", etc.).

Mais dois anos se passam e, novamente, temos mais um belo "novo/velho" disco do EELS. Posso dizer "novo/velho" porque as músicas contidas nele são frutos de 7 anos de gravações esporádicas, feitas com diferentes músicos que participaram de álbuns anteriores. Com 33 músicas, sendo 5 delas instrumentais, "Blinking Lights and Other Revelations" é um disco bastante autobiográfico. Mr. E. nos mostra mais uma vez sua vontade de superação, de compreensão, de enxergar o belo nos erros,  rever o passado, pedir desculpas e arrepender-se de algumas coisas; mas a cima de tudo, amar sua história. Como ele fala na última música chamada "Things The Grandchildren Should Know"  (que também é o nome de seu livro), "But if i had to do it all again, Well, it's something i'd like to do" (Mas se eu tivesse que fazer tudo de novo, Bem isso é algo que eu gostaria de fazer).

As músicas, no geral são bem tranquilas, inclusive, a "Bride Of Theme From Blinking Lights" chega a ser quase uma canção de ninar. Já a"Railroad Man" é uma alusão a como ele se sente deslocado na indústria da música, assim como os ferroviários (railroad  men) estão perdendo seus postos com a decadência das linhas de trem nos EUA.

Nas palavras de Mr. E. esse disco é sobre "Deus e todas as questões relacionadas com o tema de Deus. É também sobre me apegar ao que resta da minha sanidade e do céu azul que vem um dia depois de uma terrível tempestade, e é uma carta de amor à própria vida, em todas as suas belas e horríveis glórias."

Em 2007, a BBC produziu o documentário "Parallel Worlds, Parallel Lives". Nele Mr. E. procura alguns  colegas de seu pai para tentar compreender a Teoria dos Universos Paralelos, e saber o que mantinha seu pai tão entretido e emocionalmente distante da família. Uma viagem para descobrir um pouco sobre o pai com quem raramente, apesar de morar na mesma casa, conversou.

Durante o mesmo ano, Mr. E. se ocupou em escrever sua memórias no livro "Things the Grandchildren Should Know" (Coisas que os netos deveriam saber), publicados em 2008 nos EUA e Europa. Ele conta como sobreviveu a perda de toda a sua família e como usou isso ao seu favor, sem entregar-se às crises existenciais.

A esta altura do campeonato, os fãs de EELS já estão pensando que sabem tudo sobre Mr. E. Sua vida passa a ser, literalmente, um livro aberto. Um livro que começou a ser cantado desde seu primeiro álbum. E aqui há um paradoxo muito interessante: apesar de falar tanto sobre seus dilemas e experiências pessoais, Mr. E é um cara um tanto recluso. Mora em Los Angeles com seu cachorro Bobby Jr., e contenta-se em passar a maior parte de seu tempo em casa.
Talvez dessa sua personalidade mais introvertida, saiu o seu 7 º disco, "Hombre Lobo". Pela primeira vez, Mr. E cria um personagem para suas histórias. Hombre Lobo (Lobisomen) é a evolução do "Dog Face Boy" (menino com cara de cachorro) do disco "Souljaker", que também é uma alusão a sua vasta barba. A musicalidade deste disco está mais próxima do "roquinho básico", pendendo para o blues e, por duas faixas, visitando a psicodelia dos anos 60. As letras são menos sarcástica e reflexivas, como se o Hombre Lobo fosse aquele tipo que vive a realidade nua e crua. É com este álbum que começa a trilogia (sem nome), seguido pelo lançamento, também em 2009, de "End Times".

Como já foi dito, "End Times" é sobre seu relacionamento arruinado com Anna, e o Hombre Lobo fica para o passado. Outra virada fica por conta do "roquinho básico", que foi trocado pelo bom e velho folk. A pegada folk é tão afetada que conseguimos ouvir até o dedo de Mr. E. escorregando pela corda de aço de seu violão na música "The Beginning".

E por último, mas provavelmente, não o último, temos desde o dia 26 de agosto de 2010, o disco "Tomorrow Morning". Os fãs vão sentir-se familiares com a contínua levada que dá o tom das suas letras de auto-cura da alma. Fechando, em menos de dois anos, a trilogia, ele descreve os detalhes em metáforas que, para ele, fazem a diferença na hora de levantar a cabeça e perdoar, mais uma vez, a vida. A música "Mistery of Life" ilustra bem o que ele sente:  "Pain in my heart, twistin' like a knife / Disappeared just overnight / Good morning, mystery of life" (dor no meu coração, machucando como uma faca / Desaparece durante a noite / Bom dia, mistério da vida). O momento deste disco se explica com o nome da primeira música, "In Gratitude For This Magnificent Day" (Em Agradecimento por este Dia Magnífico).

Mr. E., está a cominho de seu 10º  disco e já provou, até aqui, que consegue manter-se na industria pop sem parecer vendido e comum. Desta forma, o EELS consegue ser pop, e ao mesmo tempo, indie; inovando um pouquinho aqui e ali, deixando, quase sempre, os críticos e seu público mais que satisfeitos e com a impressão que existe sim muitas coisas bonitas, ou não, que mereçam uma poesia e uma bela melodia.

QUANTO VALE A FOTO?




COM SORRISOS E OLHAR COMPENETRADO, A ARTISTA PLÁSTICA ROSÂNGELA RENNÓ NÃO DISFARÇAVA A SATISFAÇÃO DE VER OS LOTES DA SUA OBRA SENDO LEILOADOS PRO PREÇOS QUE VARIAVAM DE R$ 5 MIL A R$ 50 MIL. ESSE FOI O GRAND FINALE DE SUA PARTICIPAÇÃO NA 29ª BIENAL DE SÃO PAULO ONDE EXPÔS A OBRA "MENOS-VALIA [LEILÃO]".

 O FINAL FELIZ DA OBRA DE ROSÂNGELA RENNÓ 

Com  uma instalação constiuída por 73 peças - sendo elas retratos, álbuns, câmeras e equipamentos de projeção de imagens obsoletos, todos garimpados em mercados de pulga - a artista propôs transfigurar os objetos e a imagens originalmente sem valor estético em obras de arte, por meio da apropriação. 

A idéia inicial de trazer um objeto comum para a instituição da arte pode não ser original: Duchamp fez a "Roda de Bicicleta", em 1912 e depois, a "Fonte", em 1917; ele criava, então, o conceito de ready made: um objeto pronto, sem conotação artística que pode passar a ser visto sob outro ponto de vista, e assim, transformar o seu significado. 


Depois, em 1964, era a vez de Andy Warhol, em sua primeira exibição de esculturas, apresentar as caixas de sabão em pó Brillo na Stable Gallery de Nova York, onde o artista simulou um mercado com réplicas dos itens que os americanos colocavam em suas sacolas de compras domésticas. Porém aqui, a intenção era outra da de Duchump: Wahol queria mostrar aos olhos poucos atentos como a propaganda feita nas prateleiras dos mercados poderiam ser vistas sob a aura das artes plásticas.

Já na fotografia, a apropriação de imagens teve destaque pela primeira vez durante o período dadaísta em Berlim quando, principalmente 5 artistas, entre eles John Heartfield, Hannah Höch, Johannes Baader, Raoul Hausmann, e George Grosz desenvolveram a técnica de fotomontagem. As fotos, recortadas de propagandas em mídias de massa e coladas de forma a causar estranhamento das proporções e contextos, formando criticas sociais.

No Brasil a arte por apropriação de imagens começou com Jorge Lima, um poeta e artista plástico (e médico) que, seguindo a escola dadaísta, nos anos 1940 fez algumas séries de fotomontagem.

Já Rosângela Rennó, trabalha com apropriação de imagens de outra forma. Ela não recorta revistas e tampouco faz fotomontagem. Ela procura fotografias em feiras e arquivos abandonados, e dá a elas outro significado. A ideia é trabalhar com memórias perdidas, e de acordo com Charles Merewether que escreveu sobre o trabalho da artista, "A experiência de ver é, por si própria, sujeita à força do esquecimento, e a tarefa de ler rastros é equivalente a apaziguar-se com o passado". [1] E assim ela o fez desde os anos 1990 quando usou fotografias de pessoas que trabalharam nas obras de construção de Brasília ("Revendo Brasília", 1994) e com fotografias de arquivos abandonados da antiga Penitenciária do Carandirú ("Série Vulgo", 1998).

A obra "menos-valia [leilão]" estava exposta no mezanino da Bienal entre duas paredes. Ao centro ficava um balcão com porta-retratos, luminárias, e todo o tipo de parafernália fotográfica antiga, e pendurados nas duas paredes dos lados ficavam molduras de vários tamanhos: algumas contendo álbuns de fotografia antigos, outras retratos, e outras as imagens acompanhadas da máquina fotográfica que as produziu. Havia também um espelho de corpo inteiro com resquícios de imagens bastante envelhicidas impressas nele.

A princípio, as pessoas que visitassem a Bienal poderiam manipular as peças, porém logo se viu que isso não seria uma boa ideia, tendo em vista que a exposição duraria mais de dois meses, e as peças acabariam sendo danificadas; o que colocaria em risco o objetivo final do projeto que era leiloar cada item, separadamente, e assim atribuir valor de arte.

No dia 9 de dezembro, data marcada para o leilão, Rosângela Rennó esteve na Bienal para apresentar as peças e participar como observadora do leilão. Cerca de 50 pessoas se aglomeraram em volta da instalação, para ouvir artista que com a voz não muito alta, competia espaço sonoro com uma apresentação de Hip Hop acontecendo simultaneamente a cerca de 200 metros dali, na obra "O Outro, O Mesmo"  de Carlos Teixeira. Para acompanhar a apresentação ela distribuiu algumas folhas de papel onde estava descrito cada peça da exposição com o número do lote, o preço que ela pagou para produzir tal peça (por exemplo, valor pago no mercado de pulgas), e o lance inicial que o lote teria no leilão. Cada lote, além do número, tinha um nome, que ficavam numa etiqueta plástica anexada ao item.

Confortavelmente vestida numa saia escura, blusa de crochê, sapato de couro e um colar longo, Rosângela Rennó começou a falar sobre o que se tratava sua obra. Falou sobre a importância da memória e de alguns de seus trabalhos do passado. Seu tom era de quem, obviamente, respeitava cada item ali disposto, e dessa forma, mesmo que inconscientemente, atribuía seriedade e, consequentemente, valor à obra.

Após a introdução geral, falou mais sobre onde e como adquiriu aquelas peças. Contou que nem todos os aparelhos haviam sido comprados em pleno funcionamento, mas que ela havia feito os devidos reparos e que, agora, estavam em perfeito estado. Falou das particularidades de algumas peças como o "lote 16 - Apagamento por Empilhamento": uma peça constituída por 5 porta-retratos, alguns retangulares e outros ovais colados um em cima do outro. Conforme a artista ela havia encontrado essas peças, no Mercado de Rua da Cidade do México, dispostas exatamente como a víamos ali: sobrepostas. Nas palavras de Rosângela Rennó, "Era uma peça pronta. O meu único trabalho foi limpar e folhear as molduras a ouro opara dar uma aparência melhor". O lote 12, também conhecido pelo nome "Mickey Max" era uma escultura feita a partir de um aparelho de Viewmaster 3D em formato da cabeça do Mickey que havia sido, originalmente, distribuído na  inauguração da Euro Disney. Essa peça ela encontrou na feira da Rua Tristán Narvaja de Montevidéu.

Quanto aos equipamentos mais exóticos, ela mostrou como eles funcionavam e contou um pouco da história deles. O "lote 15 - Estereobinóculo Pornô", uma peça do século 19 feita a partir de um binóculo que podia se ver uma imagem 3D ao fundo,  era muito comum na casa das pessoas daquela época.
Fui ao leilão sabendo que os lances iniciavam a partir de R$ 200,00, e na minha ingênua ignorância, eu desejava arrematar algo ali, e quem sabe, começar minha própria coleção de arte. Aquela seria a ocasião perfeita para me entrosar com o seleto grupo de colecionadores de arte e ver como funcionava um leilão.

Às 20:30 hrs as pessoas que quisessem participar do evento deveriam estar no local arranjado - ao lado da lanchonete da Bienal - com cadeiras, um pequeno palanque e um telão. Minha amiga, que me acompanhava, e eu sentamos no meio da pequena platéia para não chamar atenção, mas ao mesmo tempo não correr o risco de não ser vista pelo leiloeiro. Chamei a mocinha que entregava as fichas de cadastro com um número nas costas que eu deveria levantar quando fizesse um lance. O meu número era o 281. Minha amiga (a quem eu carinhosamente costumava de minha "consultora particular para assuntos astrológicos", até descobrir que suas consultorias para assuntos shoppenhauerianos eram muito melhores) disse que na numerologia eu segurava o numero 11 (2+8+1=11) e que significava brilho pessoal. Fiquei entusiasmadíssima! Aos poucos chegavam mais e mais pessoas... Tantas que não havia mais cadeiras para sentarem, e elas foram se acomodando no fundo e nos cantos do espaço aparadas pela mureta do mezanino.

Mas minha decepção chegou a cavalo e foi sincrônica com a satisfação da artista. O leiloeiro anunciou que  o primeiro lote, Caixa Brownie - 9th Ward, previsto para iniciar com R$ 670, já tinha um lance de mil reais. Logo recebeu outro lance de R$ 1.200, e outro de R$ 1.500, e outro, e outro... Até que chegou no seu valor final que já passava de R$ 5 mil e eu não quis mais nem ouvir. Percebi que não seria aquele dia que eu iniciaria uma coleção de obras de arte... Fustrações minhas a parte, a obra foi única, e um acontecimento original. O leiloeiro falou que nunca, na história do Brasil havia tido um leilão de um artista só.

Alguns dias antes, eu havia entrado em contato com Rosângela Rennó por e-mail para marcar um encontro e conversar sobre sua obra, mas como ela estava extremamente ocupa com os preparativos da Bienal, se desculpou por não poder me atender prontamente, e pediu que eu enviasse as perguntas por email. As respostas voltaram para minha caixa de entrada alguns dias depois, com toda a atenção e simpatia que ela demonstrou na ocasião do leilão. Segue a entrevista do jeito que chegou:

- 1 - Na obra 'mais-valia', consigo enxergar pelo menos três aspéctos diferentes: o social (através da descrição das imagens), o histórico (resgate de imagens, molduras e equipamentos do passado) e o estético (a manipulação e disposição das peças expostas). Isso condiz com a sua proposta? Existe algum outro aspecto que não está contemplado nesta pergunta?

RR: MENOS-VALIA, não mais-valia. Cuidado...
eu diria que há mais um questionamento da ordem econômica da arte. O aspecto social, sinceramente, não é relevante. Histórico e estético, sim, pois trata-se de revalorizar e revitalizar objetos destinados ao lixo.  Agora, a questão econômica sobre o valor daquilo que se atribui o valor de 'artístico', é  o mais importante.

- 2 - Por que você sugere que estes objetos sejam recolocados em circulação e "resimbolizados" como objetos de arte? 

RR: porque são objetos que se tornaram obsoletos e são encontrados aos montes, nos mercados de pulgas. Eles já estão em circulação, não sou eu quem os traz pra circulação. Só proponho deslocá-los do m pulga pro mercado da arte, via exposição na bienal.
resignificar esse tipo de imagem e de objeto é parte integrante da minha poética, nada mais natural, pra mim, do que fazer isso. Se vc conhece meu trabalho, nem precisa perguntar... :-)

- 3 - Como vc relaciona a sua obra com a arte contemporânea? Você diria que ela questiona a arte, ou tenta responder a alguma pegunta da filosofia da arte?

RR: Como VC relaciona a minha obra com a AC? Essa pergunta é pra vc, não pra mim. Eu faço objetos, exponho em exposições de arte e os vendo em galerias de arte.  às vezes as ações se entrecruzam mas isso já está bem absorvido pela AC. a 2a pergunta, acho que já foi respondida mais acima.
Vivian, sei que meu trablaho incomodou muita gente mas era pra ser exatamente assim. E é ao mesmo tempo complexo e tremendamente simples e óbvio. E tb acho que é pra ser exatamente assim, nessa medida...

Depois do leilão, mandei outro e-mail a ela dizendo que havia gostado da experiência de participar do leilão que ela promoveu mas que, infelizmente, eu não consegui comprar nada.... Ela me responde dizendo que nem tudo fora em vão para mim. As pessoas que se cadastraram, receberiam pelo correio uma publicação referente a obra! Veja só! Perguntei também se ela havia ficado com satisfeita com o resultado, e sua resposta não poderia ser mais honesta:

TOTALMENTE satisfeita. Tenho consciência de que fiz um trabalho conceitualmente bem amarrado, questionador e ousado e que, ainda por cima, me deu dinheiro. Melhor, impossível!  Já soube que andam até falando mal de mim, que fui oportunista, vendida, etc...  :-)

Com certeza nada ali foi em vão. Gostando (e gastando) ou não, memórias foram recuperadas, signos foram transformados e pensamentos foram impulsionados.

[1] MEREWETHER, Charles. “Archives of the Fallen // 1997”. In The Archive: Documents of Contemporary Art. London [Londres] e Cambridge, Massachusetts: Whitechapel e MIT Press, 2006. P. 160- 162. Disponível em: < http://www.rosangelarenno.com.br/obras/sobre/19> Acessado em: 16 dez, 2010.