quinta-feira, 29 de setembro de 2022

O ATO PSICANALÍTICO E O FETICHISMO DAS IDEIAS

    Para esse seminário, denominado “Lugares da transferência e manejos possíveis. Onde se situa o analista no tratamento das psicoses”, trago alguns comentários sobre o “ato analítico” em contraposição a uma crítica, influenciada pelo filósofo e psicanalista Slavoj Zizek, a respeito do laço social contemporâneo, que chamo de “fetichismo das ideias”, ou seja, sobre as ideias que circulam como objetos de fetiches para não termos que lidar com a falta, com a castração e, consequentemente, com nossa própria impotência.
    Sobre as “ideias fetiches”, podemos dizer que, de um lado temos o tradicionalismo, a família, a religião, o patriotismo como princípios ideais colocados no lugar de objeto fetiche para obturar a hiância, provocada pela castração, que separa a vida da garantia de satisfação e completude, de plenitude. 
    Do outro lado, para lidar com toda a “culpa ocidental” que carregamos, temos o veganismo, o pilates 3x por semana, o voluntariado, a meditação, o feminismo e tantos outros signos que visam a garantia de dever comprido consigo mesmo e/ou com a sociedade.
    Contraponho o ato analítico ao fetichismo das ideias, pois o ato analítico propõe justamente o reconhecimento do vazio através de um corte no saber do sujeito que o coloca diante de sua verdade, uma verdade, que por estar relacionada a castração causa angústia, enquanto o fetichismo, como sabemos é aquilo que sutura a falta com a promessa de satisfação: garantia de gozo.
    Na primeira aula do seminário 1, Lacan anuncia que a condição fundamental para a entrada em análise é a ignorância. É necessário que analista e analisante estejam ignorantes em relação ao que se sabe sobre o que se quer. O saber na psicanálise está para o sujeito enquanto repetição que cristaliza a posição subjetiva em uma experiência de evitação do desejo e, por tanto da castração. O desejo só é desejo na medida em que o sujeito vive a experiência de separação causada pela castração. Tal experiência é o que faz a marca do objeto perdido e que será a mola do desejo. Por isso, este objeto é nomeado por Lacan de objeto causa de desejo perdido, o qual, na situação analítica, pelo menos no caso das neuroses, o analista o usará como semblante para provocar o analisante na busca de sua verdade. A análise ao propor um “encontro com a verdade” – a verdade particular, singular, referente ao desejo e por tanto a primeira experiência de satisfação proibida – possibilita um novo semi-dizer em relação ao seu desejo, propiciando a ressignificação de sua posição subjetiva. O ato analítico, sustentado pelo suporto saber (que não é saber) do analista, visa produzir novos significantes. O analista faz semblante de objeto causa de desejo perdido para que o  analisante possa produzir, a partir do seu lugar de fala, novos significantes e novos sintomas.
    É a partir do ato analítico, este impossível, pois o analisante nunca irá se encontrar com sua verdade, que Lacan formula o discurso do analista: 

 


    Então, aqui temos que o analista, ocupando o lugar do agente do discurso, se remete ao sujeito (com o seu sintoma) no lugar do outro, para produzir novos significantes-mestres a respeito de sua verdade – que diga-se de passagem, como demonstra o triângulo representando a obstrução entre a verdade e o produto. A produção do “ato analítico” fracassará em se fazer coincidir com a verdade que causa este discurso, representado aqui pelo S2 enquanto o "suposto saber"do analista a respeito do outro. A obstrução na parte de baixo do discurso representa a impotência entre verdade e produção, isto é, o lugar do surgimento do sintoma, na medida em que o que se produz visa emergir enquanto índice, substituto da verdade. O  impossível da análise está na parte de cima do discurso, representado pela flecha que distingue o a do S2, ou seja, distingue o semblante do objeto de desejo do sujeito sintomático (redundância). Ao convoca-lo a uma produção, o semblante de objeto introduz uma dúvida no sujeito, no saber sobre o seu sintoma, conduzindo a novos significantes. O sujeito passa a representar um novo significante. Dito de outro modo é impossível que o analista represente o desejo de seu analisante, dada a radicalidade da singularidade humana.
    Já isso que estamos chamando de “fetichismo das ideias” aparece em nossa cultura como uma saída que tem como característica principal o engodo do Eu. São as ilusões do capitalismo atual que se somam ao já conhecido fetichismo da mercadoria. Digo que se somam porque apesar de que a mercadoria, a coisa, o objeto de consumo, que por tantos anos tamponou o lugar da falta, já tenha entrado para o hall dos vilões e não mais convence tanto, ele ainda coexiste com as ideias enquanto fetiche em nossa sociedade da informação. A informação é a nova (talvez já não tão nova) moeda no comércio das angústias. 
    Assim, diferente do fetiche, o ato analítico consiste em um corte que coloca em cena, mesmo que muito rapidamente, a mola do desejo, enquanto o fetichismo das ideias tem como efeito a ilusão de superação da experiência de desamparo própria da civilização, ou seja, são ideias que visam responder ao mal-estar na civilização. 
    O ato analítico é proposto como contraponto ao furor curandis do excesso de compreensão do mal-estar. Não existe saúde mental. Existe lavagem cerebral. Tentativa de limpar os rastros da angústia.
    A psicanálise está assim, posta como um dos ofícios que Freud, em Análise Terminável e interminável, nomeou, junto com governar e educar, como impossíveis. Pois como vimos no discurso do analista, o que se produz nesses ofícios, nunca condize com a verdade que os causa. E entre o agente (ou seja, o analista) e o outro (o analisante) há sempre um mal entendido, ainda que disfarçado sob o semblante de objeto.
    Então, se temos que na psicanálise com neuróticos, o analista se coloca no lugar, fazendo semblante, de objeto perdido para que o desejo possa encontrar outras saídas simbólicas, como fica o lugar do psicanalista no tratamento das psicoses, já que os psicóticos têm uma dificuldade maior em lidar com a castração e, consequentemente o objeto para ele parece não estar perdido? O psicótico, como nos diz Lacan, carrega o objeto, que para o neurótico está perdido, no bolso.
    Assim, presenciamos nos psicóticos um curto-circuito na divisão entre saber e verdade, fazendo da verdade – que na análise dos neuróticos é lugar de elaborações – seja uma certeza inquestionável. Assim, cabe ao psicanalista, ao lidar com as psicoses, acompanhar o seu paciente, propiciando com ele, formas de lidar com a demanda que o mundo impõe a sua existência e que ele não suporta, pois ele acredita que sua posição de sujeito seja desde sempre inquestionável. Quando confrontado com um princípio de realidade não compatível com o seu delírio, o psicótico a entre como aniquiladora; em outras palavras, o psicótico vivencia uma intrusão do Real em seu universo simbólico, causando uma desorganização subjetiva.
    O que nos leva a questão da transferência. O analista precisará criar, com o seu paciente, um espaço de confiança, e não de dúvida, já que a forma como a transferência se coloca na neurose e na psicose é diferente.    
    A transferência é a possibilidade de transferir a demanda de amor, de cuidado, de um suposto saber sobre si. Na neurose, a possibilidade de transferência se instala desde o momento em que a pessoa que faz a função materna mostra para o bebê, ao procurar algo em um terceiro (que fará a função partena) que algo falta a ela: que ela não é toda, portanto, é castrada. Na medida em que a "mãe" se volta a um terceiro, instala-se a procura por algo que ela não possui. A "mãe" busca algo em outro que não no bebê. Esse terceiro faz um furo de saber, e a possibilidade de encontrar esse saber em outro lugar. Assim, o bebê aprende, desde cedo a transferir a demanda de cuidado a outros, simbolizando o lugar de saber sobre o si.
    A grosso modo, nas psicoses, como este corte no olhar da mãe não está posto, o sujeito não saberá que algo falta nele e,  portanto, não há a necessidade de buscar, transferir, um saber sobre si a um outro.

 

 

sábado, 3 de setembro de 2022

O CONCEITO DE VERDADE NOS SEMINÁRIOS DE LACAN (le concept de vérité dans les séminaires de Lacan / The truth concept in Lacan's seminars)

    Em suas investigações para compor o seu "retorno a Freud", Lacan tomou o conceito de "verdade" como um dos eixos principais a partir do qual visou, com bastante sucesso, situar os efeitos do inconsciente na subjetividade e no laço social. A lógica é a seguinte: partindo das premissas que “o inconsciente é, em seu fundo, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem” (SEMINÁRIO 3 [1988], p. 135) e que a verdade é uma dimensão da linguagem – ou usando o neologismo de Lacan, "uma diz-mansão da verdade: a residência do dito" (SEMINÁRIO 20 [Staferla], p. 79) – logo, a verdade tem alguma relação de proximidade com o inconsciente.
    A verdade, segundo Lacan é  acessível por meio da fala, mas nunca é dita por inteira. Tangemos a verdade ao simbolizarmos nosso desejo através dos significantes que marcam o insconsciente e, assim, constituímos nossa realidade psíquica; nossa fantasia. Com isso Lacan ressalta, diversas vezes ao longo de seu ensino, que "a verdade tem estrutura de ficção" e, por ser apenas acessível pela cadeia de significantes disponível no inconsciente, ela é apenas e sempre semi-dita: "A verdade é semi-dita"; os significantes não são suficientes para abarcarmos toda a verdade. Tais são os aforismas que reconhecemos na obra de Lacan.
    As constatações lacanianas a respeito da verdade tem, também, como consequência – não apenas para a teoria psicanalítica, mas também para a filosofia e a ciência – a crítica da metalinguagem. Resumidamente, ao criticar a metalinguagem, Lacan afirma que não podemos dizer a verdade sobre o verdadeiro; que não é possível estabelecer o sentido do sentido através da linguagem.
    A verdade foi também tema de grande interesse para Freud – tendo diferenciado a "verdade psíquica" da "verdade histórica", mas não apenas isso: "é sempre da mesma forma obstinada, quase desesperada, que ele [Freud] se esforça por explicar como é possível que o homem na sua própria posição do ser, seja tão dependente dessas coisas para as quais ele não é manifestamente feito. Isso é dito e nomeado – trata-se da verdade" (SEMINÁRIO 3 [1988], p. 250) – e central em toda a história da filosofia e da ciência. 
    Para a filosofia e ciência clássicas, a verdade podia ser resumida como a adequação entre um acontecimento ou um objeto e o que é enunciado sobre ele. Mas, em vista da crítica que Lacan faz a metaliguagem,  será que existe alguma maneira para estabelecermos parâmetros de verdade a fim de nos organizarmos como civilização em um laço social?
    Hoje a pertinência do debate insiste na construção da realidade compartilhada em um mundo marcado pelo que chamamos de "pós-verdade", onde as decisões políticas passam pelo crivo da disputa de narrativas sobre o verdadeiro. 
    É por aí que passam as indagações de minha tese de doutorado e, para tentar responder a isso, percorri os seminários de Lacan, publicados pela editora Zahar. Assim, parte do resultado desta pesquisa está no arquivo abaixo onde compilei as ocorrências do conceito de verdade nas aulas de Lacan e, para tanto, parti dos PDFs disponíveis no site Staferta, onde selecionei o termo "vérité" com a ferramenta de busca e cotejei os resultados com as edições brasileiras. Neste trabalho tentei filtrar com minha leitura as ocorrências em que o termo aparece de outras formas que não a conceitual. Por exemplo, quando Lacan diz "en vérité, je pense que...", ou seja, quando "vérité" tem significado de "realmente".  
    Dito isso, esperamos que este trabalho possa servir para futuras pesquisas. 
                                                                   

 

                                                                                 (DISPONÍVEL PARA DOWNLOAD) 

segunda-feira, 6 de junho de 2022

A RELAÇÃO DE OBJETO NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO E O LUGAR DO ANALISTA NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

AULA DE ABERTURA 
SEMINÁRIO TEÓRICO PSICANÁLISE E PSICOSES

06/06/2022



A vida se inicia antes mesmo do nascimento: é a partir do desejo e da possibilidade da parentalidade do ser humano que a vida tem o seu ponto de partida. Antes dos próprios pais nascerem, os avós já podem sonhar, desejar o nascimento dos netos. Porém, do outro lado, mesmo um nascimento que não tenha sido planejado, em algum momento, o bebê é pensado e nomeado por alguém. Aí começa a vida.

 

O que quero dizer é que a vida não se inicia com o nascimento, assim como não termina com a morte. Há um lastro de existência para aquém do nascimento e para além da morte. Há algo do ser que se antecipa à experiência do corpo orgânico e persiste após ela. Antes de nascermos já há algum saber sobre nós, e depois que morremos algo de nós continua vivo. Afinal, aquele que morre organicamente, deixa vestígios que se prolongam em quem fica. Ou seja, herdamos e realizamos os atos das referências que marcaram nossa memória, com conselhos, reprovações e projetos, seja do nosso convívio direto, nossos familiares e amigos, ou de contatos indiretos, como as nossas referências de vida na cultura.

 

Mas quero aqui, nos ater a um momento breve dessa existência cujo começo e o fim não é possível determinar com precisão. Quero destacar deste tempo o momento em que o ser entra no universo da linguagem. Quando este ser– desejado ou não, planejado ou não – passa a representar um significante para outro significante. Ou seja, quando o sujeito advém.

 

O significante é um elemento da linguística que Lacan usou para a psicanalise designar as representações que emergem do universo da linguagem, e cuja função, que só opera no encadeamento com outro significante, é significar a falta da completude entre o ser e o mundo. Assim, o significante na psicanálise não se limita a palavra como na linguística, mas uma marca que apenas quando em relação a outro significante produz efeito de significado.

 

O sujeito, por sua vez, é o efeito do atravessamento do significante no ser, estabelecendo, como castração, como índice de incompletude, o inconsciente e a mola do desejo deste ser.

 

Ao nascer o bebê não sabe que é. Ele apenas é, e dependente para sobreviver, disso que chamamos de função materna. Será tarefa desta pessoa, além de alimentar e limpar, dar contorno a este outro corpo para que ele possa advir como sujeito.

 

Este contorno é dado a partir de gestos e palavras – significantes - que nomeiam as necessidades ou, dito de outro modo, as demandas do bebê; organizando, a cima de tudo, as pulsões deste corpo. Podemos dizer, junto a Lacan, que a demanda é a posição subjetiva original, comandada pelas pulsões cuja fonte é o corpo, e cuja meta é se satisfazer. E, neste primeiro momento, a satisfação acontece por meio dos objetos oferecidos por aquele que cuida.

 

Disso, destaco a importância da relação de objeto na constituição do sujeito e do desejo abordando o conceito de objeto a para pensar a posição do analista em um momento ainda preliminar da constituição do sujeito: a infância e a adolescência.


O primeiro objeto de amor do bebê é a mãe (ou aquele que faz a função materna), ou melhor dizendo as partes da mãe que executam essa função, podendo haver um superinvestimento da meta em determinado objeto. É o que Freud chamou de objeto parcial; polo da pulsão sexual.

 

Este objeto faz marca, e as pulsões, que são a ponte entre o corpo e a mente, passam procurar por este objeto que será o ponto de organização do sujeito; o objeto é o meio de proporcionar satisfação a pulsão. Esta marca não se trata, ainda, de recalque, mas das organizações pré-genitais. 

 

É com a chegada do significante, responsável pela castração, ponto de virada da alienação e separação e ponto de partida da constituição do eu, que o objeto passa a não ser mais apenas correlato da pulsão, destinado a ser consumido. É neste momento que o objeto passa a ser considerado na sua diversidade e riqueza de qualidades, na sua independência, na medida em que é progressivamente integrado e transformado em objeto de amor, determinando o que será a fantasia fundamental responsável por gerenciar a relação do sujeito com o mundo, lugar privilegiado da constituição do sujeito. Lacan descreve a fantasia fundamental com a fórmula S barrado punção de a, para demonstrar a condição de tensionamento entre o sujeito e o objeto. As vezes com mais intensidade, as vezes com menos intensidade.



A partir da entrada do significante que instaura a lei desde a função paterna, fazendo barreira ao objeto de amor – estamos falando da castração – constitui-se assim, a partir da falta, o desejo; e o objeto se transmuta em algo não especular, sem imagem, a fim de buscar representações que tamponem a falta por meio da fantasia. A introjeção é o mecanismo pelo qual o objeto parcial se transforma em objeto em si. Introjetar é ser e vir a ser desejo. Ao ser introjetado pelo eu, podemos dizer que o objeto passa a ter a função de antecipar o desejo, na medida em que a falta é da ordem do insuportável. Este objeto, Lacan conceituou como objeto a: objeto perdido causa do desejo. Ou seja, o objeto a não é a castração, o objeto a é efeito da castração, cuja função é substituir a falta deixada pelos objetos parciais, pelo objeto de amor, quando o significante da lei faz a sua função de barrar o livre acesso ao objeto.

 

Assim, a fantasia fundamental, aquela articulada como sujeito barrado punção de “a”, tentará garantir uma estrutura mínima para o suporte de desejo, criando, sugerindo com metáforas, outros objetos para tamponar a falta. 

 

Na infância, vemos que esse objeto tem um caráter mais opaco e concreto. As crianças procuram sempre mais ou menos os mesmos objetos para se acalmarem. Está aí o cerne da noção de objeto transicional proposta por Winnicott, o que pode ser observado na capacidade das crianças assistirem o mesmo filme todos os dias, ou se agarrarem ao mesmo brinquedo por um longo período.

 

Na adolescência, este objeto pode tomar a forma de ídolos, substituindo os pais ideias. Freud diz que é na puberdade que a vida sexual se configura de acordo com a escolha objetal. O problema é que na puberdade o cérebro ainda está em vias de desenvolvimento e, precário para algumas tomadas de decisão. De escolhas.

 

A diferença que me parece mais fundamental na observação da criança e do adolescente, é que para a criança, ainda que o objeto seja mais opaco e concreto, como eu disse antes, ela tem mais facilidade de transitar pelos objetos, na medida em que se oferecem outros que também possam constituir um meio de satisfazer as pulsões, pois as crianças não estão ainda tão fixadas ao objeto. Por exemplo, não é tão difícil fazer a criança trocar a mamadeira por um copo decorado com um personagem que ela goste. Ou a chupeta por um brinquedo novo, trazido, por exemplo, pelo papai noel. 

 

O adolescente também troca facilmente de objetos, porém aí eu queria trazer um dado de fora do campo da psicanálise para pensar a adolescência. O cérebro adolescente ainda está em formação, e nele, a região chamada de córtex frontal, responsável pela avaliação racional dos atos, ainda não está plenamente desenvolvida e, por isso, os adolescentes tomam decisões com as amigdalas cerebrais, localizadas no lobo temporal do cérebro, que é a região responsável pelo processamento das emoções. Assim os adolescentes recorrem a escolhas que privilegiam o prazer e a recompensa imediata, o que os leva a, muitas vezes, optarem por objetos que podem coloca-los em risco. Por isso, ao meu ver, o atendimento de adolescentes exige um cuidado do psicanalista, pois não se trata mais tanto de oferecer recursos simbólicos, repertório cultural, pois isso eles têm de monte. Mas de acompanha-los com conversas sobre as consequências de suas atitudes, que ampliando o tempo de sustentar as frustrações por outras recompensas menos imediata.

 

A metáfora do psicanalista enquanto uma tela branca onde seus pacientes projetam suas emoções estabelece, no tratamento psicanalítico, o espaço de elaboração e sustentação do desejo, ainda que este espaço seja “preenchido” com falta e, consequentemente, angústia. O psicanalista não ocupa o lugar de objeto enquanto correspondente a demanda, mas sustenta o lugar do objeto a, enquanto lugar de falta, propiciando a busca por objetos e a produção de novos significantes. 

 

A fantasia tem, portanto, dois aspectos: um salutar, agradável, de tamponar a falta e satisfazer a pulsão, mas outro patogênico, pois podemos ficar tão fascinados pelo objeto colocado no lugar da falta, que nos agarramos a ele e não queremos mais soltar. A fixação em objetos pode produzir sofrimento e sintomas, porque esse apego restringe, afunila o mundo do sujeito. Impede que o sujeito veja mais amplamente o que o cerca.

 

O Marco Antônio Coutinho, psicanalista carioca, faz uma interessante metáfora da fantasia fundamental. Quando estamos rigidamente fixados a um objeto é como estarmos em prisão domiciliar. Temos tudo o que precisamos, mas não podemos sair daquele pequeno espaço. Com análise nós podemos progredir para um regime semi-aberto, na medida em que trabalhamos o desapego do objeto, ainda que temporariamente, pois a fantasia fundamental, constituída pelos primeiros investimentos libidinais, ela é insubstituível. 

 

Podemos, ainda, rapidamente citar o caráter de fetiche que o objeto adquire nas perversões, quando o sujeito recusa a castração. Ou o efeito de alienação quando o significante, que agora posso dizer, o significante do nome do pai instituído pela função paterna, é foracluído do inconsciente. Ou seja, quando a lei não incide como organizadora da estruturação simbólica do sujeito. Deixo essas perguntas para uma próxima oportunidade.