sábado, 3 de setembro de 2022

O CONCEITO DE VERDADE NOS SEMINÁRIOS DE LACAN (le concept de vérité dans les séminaires de Lacan / The truth concept in Lacan's seminars)

    Em suas investigações para compor o seu "retorno a Freud", Lacan tomou o conceito de "verdade" como um dos eixos principais a partir do qual visou, com bastante sucesso, situar os efeitos do inconsciente na subjetividade e no laço social. A lógica é a seguinte: partindo das premissas que “o inconsciente é, em seu fundo, estruturado, tramado, encadeado, tecido de linguagem” (SEMINÁRIO 3 [1988], p. 135) e que a verdade é uma dimensão da linguagem – ou usando o neologismo de Lacan, "uma diz-mansão da verdade: a residência do dito" (SEMINÁRIO 20 [Staferla], p. 79) – logo, a verdade tem alguma relação de proximidade com o inconsciente.
    A verdade, segundo Lacan é  acessível por meio da fala, mas nunca é dita por inteira. Tangemos a verdade ao simbolizarmos nosso desejo através dos significantes que marcam o insconsciente e, assim, constituímos nossa realidade psíquica; nossa fantasia. Com isso Lacan ressalta, diversas vezes ao longo de seu ensino, que "a verdade tem estrutura de ficção" e, por ser apenas acessível pela cadeia de significantes disponível no inconsciente, ela é apenas e sempre semi-dita: "A verdade é semi-dita"; os significantes não são suficientes para abarcarmos toda a verdade. Tais são os aforismas que reconhecemos na obra de Lacan.
    As constatações lacanianas a respeito da verdade tem, também, como consequência – não apenas para a teoria psicanalítica, mas também para a filosofia e a ciência – a crítica da metalinguagem. Resumidamente, ao criticar a metalinguagem, Lacan afirma que não podemos dizer a verdade sobre o verdadeiro; que não é possível estabelecer o sentido do sentido através da linguagem.
    A verdade foi também tema de grande interesse para Freud – tendo diferenciado a "verdade psíquica" da "verdade histórica", mas não apenas isso: "é sempre da mesma forma obstinada, quase desesperada, que ele [Freud] se esforça por explicar como é possível que o homem na sua própria posição do ser, seja tão dependente dessas coisas para as quais ele não é manifestamente feito. Isso é dito e nomeado – trata-se da verdade" (SEMINÁRIO 3 [1988], p. 250) – e central em toda a história da filosofia e da ciência. 
    Para a filosofia e ciência clássicas, a verdade podia ser resumida como a adequação entre um acontecimento ou um objeto e o que é enunciado sobre ele. Mas, em vista da crítica que Lacan faz a metaliguagem,  será que existe alguma maneira para estabelecermos parâmetros de verdade a fim de nos organizarmos como civilização em um laço social?
    Hoje a pertinência do debate insiste na construção da realidade compartilhada em um mundo marcado pelo que chamamos de "pós-verdade", onde as decisões políticas passam pelo crivo da disputa de narrativas sobre o verdadeiro. 
    É por aí que passam as indagações de minha tese de doutorado e, para tentar responder a isso, percorri os seminários de Lacan, publicados pela editora Zahar. Assim, parte do resultado desta pesquisa está no arquivo abaixo onde compilei as ocorrências do conceito de verdade nas aulas de Lacan e, para tanto, parti dos PDFs disponíveis no site Staferta, onde selecionei o termo "vérité" com a ferramenta de busca e cotejei os resultados com as edições brasileiras. Neste trabalho tentei filtrar com minha leitura as ocorrências em que o termo aparece de outras formas que não a conceitual. Por exemplo, quando Lacan diz "en vérité, je pense que...", ou seja, quando "vérité" tem significado de "realmente".  
    Dito isso, esperamos que este trabalho possa servir para futuras pesquisas. 
                                                                   

 

                                                                                 (DISPONÍVEL PARA DOWNLOAD) 

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