terça-feira, 16 de março de 2021

APRESENTAÇÃO DA PALESTRA DE MAURO MENDES DIAS SOBRE A DIFERENÇA DO DISCURSO DO PSICÓTICO E O DISCURSO DA ESTUPIDEZ

CEP - Centro de Estudos Psicanalítico
São Paulo, 01 de março de 2021

Boa noite a todos e obrigada ao Mauro Mendes Dias que aceitou esse convite para discutirmos a respeito da linha, que me parece tão tênue, e que separa e diferencia o discurso do psicótico do discurso da estupidez. O discurso do psicótico é este que conhecemos no senso comum como aquela fala alucinada de sujeitos, que sentem-se perseguidos por figuras importantes, que por vezes entendem ser deuses portadores da verdade e, em muitas ocasiões esbravejam para o nada ou para qualquer um, sobre uma ameaça sentida ou dirigida; e o discurso da estupidez que se apresenta na fala “alucinada” de sujeitos que sentem-se perseguidos por figuras importantes, por vezes entendem ser deuses portadores da verdade e em muitas ocasiões gritam para o nada ou para qualquer um sobre uma ameaça sentida ou dirigida.


O discurso da estupidez é uma articulação, elaborada pelo Mauro, a partir dos quatro discursos de Lacan e mais o discurso capitalista, que acompanha a ideia de vociferações. Tudo isso, está no livro de 2019, do próprio Mauro, O discurso da estupidez.

 

Vociferar é diferente de falar. Cito: 

 

“as vociferações se referem aos gritos marcados pelo ódio, cujo fundamento é a recusa de possibilidade do diálogo, impedindo escutar aquele a quem dirige a palavra.”... “a voz se explicita ao sustentar a relação entre palavras que, nessas condições (de vociferações) se transformam em imperativos” ... “não cumprem mais as leis da fala que, como metáfora e metonimia, permitem o acesso do sentido, pela substituição e pelo deslocamento do que é dito”

 

Pergunto: Podemos entender essas vociferações do discurso da Estupidez como representante, voz, desta nova categoria midiática disseminadora de fake News, as redes do ódio? Essas notícias pautadas muito mais pelo afeto do que pelo fato. As fake News, filhas deste fenômeno do século 21, a pós-verdade, e definida no dicionário de Oxford como “relativo as circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais”.

 

Acredito que sim. Que as vociferações se manifestam pelas redes do ódio. E entendo, e parto do princípio de que essa rede recorre a ideias absurdas, sem critério histórico ou científico, para validar o seu afeto e cativar seguidores com soluções que, muitas vezes, soam como falas psicóticas delirantes.

 

Nessa linha de raciocínio, as vociferações nas redes se presentificam, como o que podemos dividir, em duas ordens: a negação da alteridade e o negacionismo científico:

 

A negação às alteridades encontramos na xenofobia, homofobia, no antiambientalismo e em tantas outras formas de exclusão, repressão e eliminação do sujeito.

 

Já na ordem do negacionismo científico, incluímos as teorias da conspiração como o terraplanismo, o criacionismo, os movimentos anti-vacinação que chegam a acusar os chineses de colocarem um chip dentro da vacina para nos monitorar ou as excentricidades do QAnon cuja tese principal trata da guerra secreta de Trump contra os clones pedófilos adoradores de Satã. 

 

Vale lembrar que aqui não nos referimos apenas a vociferações provenientes das ideologias de direita, e lembro aqui de um trecho do livro “Sobre o Relativismo Pós-Moderno e a Fantasia Fascista da Esquerda Identitária”, do jornalista Antônio Risério, onde ele relata uma situação. Cito:

 

“no Brasil, já em 2013, presenciamos o caso do violento ataque esquerdista-identitário ao geógrafo e analista político Demétrio Manholi e ao filósofo luiz Pondé, numa feira literária na Bahia. Impediram Demétrio de falar, jogando, inclusive uma cabeça de porco ensanguentada no meio do palco onde ele iria expor o seu pensamento”

 

Essas manifestações se destacam pela intolerância e violência sendo, muitas vezes, referidas como uma loucura coletiva. Quantas vezes não nos perguntamos se o Bolsonaro não é um louco. E quantas pessoas não duvidam do fato de que Adélio tenha agido a mando de Deus. Como podemos contrapor o discurso da estupidez, as vociferações, da compreensão das loucuras de ordem da foraclusão, ou seja, das psicoses como mecanismo de defesa? Como podemos encaminhar ambas as situações onde nos deparamos com a recusa das diferenças, seja na clínica, seja na vida cotiadiana?

 

Como delimitar a fronteira entre um paciente psicótico que me subtrai a possibilidade de confrontar o seu delírio e de um defensor, por exemplo, de uma dessas muitas teorias da conspiração?

 

Cito aqui outro trecho do livro o Discurso da estupidez, onde o Mauro diz a respeito desta incapacidade de se articular, se reacomodar diante do desejo.

 

“…existem sujeitos que não obterão condições de se valerem da palavra, com a voz própria, ou seja, ressignificando o que é transmitido pelo Outro. Estes se manterão colados com o Outro, que são invadidos através de vozes alucinatórias dirigidas a eles, falando deles, encerrando-os num lugar ensurdecedor. Ou ainda como acontece com alguns outros, encerrando-os em seu próprio mundo, assim reduzindo quase ao ponto zero a invocação do Outro.” (O Discurso da Estupidez, 2020)

 

E para finalizar eu deixo aqui uma dica, uma pista, encontrada no seminário 3 – As Psicoses - de Lacan, para podermos nos instrumentalizar na escuta para um diagnóstico estrutural: 

 

"Como não ver na fenomenologia da psicose que tudo, do início até o fim, se deve a uma certa relação do sujeito com a linguagem, de uma só vez promovida ao primeiro plano da cena, que fala sozinha, em voz alta, com seu ruído e seu furor, bem como com sua neutralidade? Se o neurótico habita a linguagem, o psicótico é habitado, possuído, pela linguagem."