quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A MÚSICA AGRIDOCE DE MR. E.



MR. E., OU APENAS E. (PRONUNCIA-SE "I") É A ABREVIAÇÃO DE MARK OLIVER EVERETT, FUNDADOR E PRINCIPAL CABEÇA CRIATIVA DO EELS. PARA QUEM NÃO CONHECE, EELS (OU EELS) É UMA BANDA NORTE-AMERICANA QUE COMEÇOU NOS ANOS 90 E LANÇOU, NESTE MÊS DE AGOSTO, O SEU 9º DISCO DE ESTÚDIO, ÚLTIMO DA TRILOGIA QUE INICIOU NO ANO PASSADO.



CÍNICO, SARCÁSTICO, SINISTRO, SINGELO
Ao longo de sua trajetória musical, é interessante perceber como a vida pessoal do compositor é sua principal inspiração, e como a música funcionou não só como válvula de escape para seus anseios, como uma forma de refletir o prazer na dor. A polaridade está quase sempre presente em seus temas, no sentido de conseguir encontrar formas que neutralizam todos os sentimentos, mas ao mesmo tempo sem anulá-los. Por exemplo, ele consegue neutralizar a dor através do amor, sem deixar de sentir nenhum dos dois.

A história de Mr. E. começa no estado de Virgina, nos Estados Unidos, onde nasceu, em 1963. Ele lembra que no começo da sua vida, as tardes na residência da família Everett eram envoltas na música de Neil Young, cujo os discos sua irmã Elizabeth tocava repetidamente. Mr. E. culpa estas tardes por terem manifestado o gosto pelo folk. Quando tinha 19 anos seu pai morreu, e logo após a morte, Mr. E. decidiu mudar-se para Los Angeles onde se virou com bicos para pagar as contas, e compunha, freneticamente, o resto do tempo.

Seu primeiro álbum, "A Man Called E", foi lançado em 1992 pela gravadora Polydor. Em 1993, saiu o seu segundo, "Broken Toy Shop". Mas foi só em 1996 que Mr. E. adicionou, por questões burocráticas, algumas letras em seu nome e lançou o disco "Beautiful Freak" sob o registro de EELS. Foi aí que  o baterista Bucth e o baixista  Tommy Walter se juntaram a banda para fazer a turnê do recém lançado album, e, então o EELS ganhou reconhecimento mundial: deste álbum saiu a música "Novocaine for the Soul", que rendeu algumas nomiações para o MTV Awards, e recebeu o prêmio de Revelação Internacional do Brit Music Awards 1998. Além disso, alguns anos depois, a faixa "My Beloved Monster" foi o tema principal do filme "Shrek".

É um pouco difícil definir em que galho da árvore do rock repousa a sonoridade deste compositor. Nas influências ouvidas nos discos, encontramos a característica acústica do folk, as batidas do hip hop e trip hop, algumas guitarras sujas do grunge, o vocal rouco do blues, enfim... Uma miscelânea muito bem arranjada, típica de um artista que bebeu na fonte das contraculturas do século XX, e que teve seu ápice criativo nos anos 90. As letras variam entre a melancolia de viver perdas, desafetos, sentir-se incompatível com o mundo, e a doce redenção obtida pelo entendimento e aceitação de que, afinal, apesar de tudo, ainda existem coisas que valham viver por. Ele consegue criar frases com um afeito meio amargo, porém melodioso como nos versos "life is funny, but not haha funny" (a vida é engraçada, mas não haha engraçada) da música "3 Speed" ou "You're such a beautiful freak" (você é um lindo monstro) da música "Beautiful Freak". Uma  fórmula que encontra a beleza onde se vê a tristeza, ou uma forma compreensível de lidar com o desagradável.

É conhecendo um pouco da história da vida de Mr. E. que entendemos mais sobre o processo criativo atrás das canções: Seu pai foi um ilustre físico quântico, que habitava na terra dos números, preocupando-se em provar sua teoria dos Universos Paralelos. Sua mãe era uma poeta atormentada. Sua irmã sofria de depressão e, em 1996, cometeu suicídio.

Mr. E. descobriu sua propensão para música aos 8 anos quando convenceu seus pais a comprar uma bateria de brinquedo usada. Ao longo de sua infância e adolecência, tratou de melhorar suas habilidades musicais usando o piano da família e o violão empoeirado que encontrou no armário da irmã. Além disso, ocupou-se em causar problemas na escola e outras formas de desordem civil que o levou a passar uma ou outra noite na cadeia.

Dois anos após o lançamentro de "Beautiful Freak", é lançado "Eletro-shock Blues". Neste disco, ele trata exclusivamente de sua relação com a morte de sua irmã e o câncer terminal de sua mãe, que veio a falecer em 1998. A composição deste disco foi a forma que Mr. E. encontrou para compensar a perda de toda sua família, sendo ele, então, o único sobrevivente. Apesar da morbidez do tema, Mr. E. afirma que este é "provavelmente o disco mais positivo" que ele fará. A primeira faixa é a triste "Elizabeth on the Bathroom Floor", seguida por "Going to Your Funeral Part I". Porém outras faixas como "Hospital Food"  podem até colocar você para dançar numa batida jazzística tomada pelo contrabaixo, e humor bastante ácido na letra.

Como que para reafimar seu positivismo em relação a vida, Mr. E lança "Daisies of the Galaxy", em 2000, com músicas bem leves e livres da dor do passado. Uma coisa muita clara que vemos na discografia do EELS é a solidez como os temas abordados formam uma história. Este disco, no caso, fecha com o verso "Goddam right, it's a beautiful day" (Com certeza é um lindo dia"), dispensando maiores explicações sobre o tema central. Ele contou com a participação de Michael Simpson (Dust Brothers), Grant-Lee Phillips (Grant Lee Buffalo), e Peter Buck (R.E.M.), além  do piano que Neil Young usou para fazer o clássico "After the Gold Rush".

Neste mesmo ano, de aparentes boas vibrações, Mr. E casou-se com a dentista russa Anna. Eles se conheceram durante sua estadia em um retiro espiritual, mas cinco anos depois se separaram. A história, com começo/meio/fim, seria contada, maia tarde, em seu 8º álbum, "End Times".

No ano seguinte de "Daisies of the Galaxy", chega o álbum "Souljacker", muito mais roqueiro e barulhento que o anterior. Este foi inspirado por uma história verdadeira de uma serial killer da California que declamava não apenas tirar a vida das pessoas, como também roubava suas almas. Mais uma vez, o tema da morte e tormento está presente nas composições do EELS. O clima sombrio fica por conta da música "That's not really funny", com guitarras e vocal cuidadosamente distorcidos.  A música "Souljacker Part 1" ganhou um vídeo filmado pelo aclamado diretor Wim Wenders em uma antiga prisão da Alemanha Oriental.

As 13 faixas do 5º álbum, "Shootenanny!" (uma referência à cultura bélica norte-americana) foram gravadas ao vivo em estúdio durante 10 dias de 2003, e lançado no mesmo ano. Aqui percebemos uma volta a questões internas do compositor. Fala-se de amor, loucura, dias longos, coisas boas e ruins. Como se fosse um disco escrito para todos. Mas, defitivamente, fala de uma só pessoa: MR. E.. É o disco do EELS com mais "eus" escritos. ("I gotta", "I need", "I want", "I am", etc.).

Mais dois anos se passam e, novamente, temos mais um belo "novo/velho" disco do EELS. Posso dizer "novo/velho" porque as músicas contidas nele são frutos de 7 anos de gravações esporádicas, feitas com diferentes músicos que participaram de álbuns anteriores. Com 33 músicas, sendo 5 delas instrumentais, "Blinking Lights and Other Revelations" é um disco bastante autobiográfico. Mr. E. nos mostra mais uma vez sua vontade de superação, de compreensão, de enxergar o belo nos erros,  rever o passado, pedir desculpas e arrepender-se de algumas coisas; mas a cima de tudo, amar sua história. Como ele fala na última música chamada "Things The Grandchildren Should Know"  (que também é o nome de seu livro), "But if i had to do it all again, Well, it's something i'd like to do" (Mas se eu tivesse que fazer tudo de novo, Bem isso é algo que eu gostaria de fazer).

As músicas, no geral são bem tranquilas, inclusive, a "Bride Of Theme From Blinking Lights" chega a ser quase uma canção de ninar. Já a"Railroad Man" é uma alusão a como ele se sente deslocado na indústria da música, assim como os ferroviários (railroad  men) estão perdendo seus postos com a decadência das linhas de trem nos EUA.

Nas palavras de Mr. E. esse disco é sobre "Deus e todas as questões relacionadas com o tema de Deus. É também sobre me apegar ao que resta da minha sanidade e do céu azul que vem um dia depois de uma terrível tempestade, e é uma carta de amor à própria vida, em todas as suas belas e horríveis glórias."

Em 2007, a BBC produziu o documentário "Parallel Worlds, Parallel Lives". Nele Mr. E. procura alguns  colegas de seu pai para tentar compreender a Teoria dos Universos Paralelos, e saber o que mantinha seu pai tão entretido e emocionalmente distante da família. Uma viagem para descobrir um pouco sobre o pai com quem raramente, apesar de morar na mesma casa, conversou.

Durante o mesmo ano, Mr. E. se ocupou em escrever sua memórias no livro "Things the Grandchildren Should Know" (Coisas que os netos deveriam saber), publicados em 2008 nos EUA e Europa. Ele conta como sobreviveu a perda de toda a sua família e como usou isso ao seu favor, sem entregar-se às crises existenciais.

A esta altura do campeonato, os fãs de EELS já estão pensando que sabem tudo sobre Mr. E. Sua vida passa a ser, literalmente, um livro aberto. Um livro que começou a ser cantado desde seu primeiro álbum. E aqui há um paradoxo muito interessante: apesar de falar tanto sobre seus dilemas e experiências pessoais, Mr. E é um cara um tanto recluso. Mora em Los Angeles com seu cachorro Bobby Jr., e contenta-se em passar a maior parte de seu tempo em casa.
Talvez dessa sua personalidade mais introvertida, saiu o seu 7 º disco, "Hombre Lobo". Pela primeira vez, Mr. E cria um personagem para suas histórias. Hombre Lobo (Lobisomen) é a evolução do "Dog Face Boy" (menino com cara de cachorro) do disco "Souljaker", que também é uma alusão a sua vasta barba. A musicalidade deste disco está mais próxima do "roquinho básico", pendendo para o blues e, por duas faixas, visitando a psicodelia dos anos 60. As letras são menos sarcástica e reflexivas, como se o Hombre Lobo fosse aquele tipo que vive a realidade nua e crua. É com este álbum que começa a trilogia (sem nome), seguido pelo lançamento, também em 2009, de "End Times".

Como já foi dito, "End Times" é sobre seu relacionamento arruinado com Anna, e o Hombre Lobo fica para o passado. Outra virada fica por conta do "roquinho básico", que foi trocado pelo bom e velho folk. A pegada folk é tão afetada que conseguimos ouvir até o dedo de Mr. E. escorregando pela corda de aço de seu violão na música "The Beginning".

E por último, mas provavelmente, não o último, temos desde o dia 26 de agosto de 2010, o disco "Tomorrow Morning". Os fãs vão sentir-se familiares com a contínua levada que dá o tom das suas letras de auto-cura da alma. Fechando, em menos de dois anos, a trilogia, ele descreve os detalhes em metáforas que, para ele, fazem a diferença na hora de levantar a cabeça e perdoar, mais uma vez, a vida. A música "Mistery of Life" ilustra bem o que ele sente:  "Pain in my heart, twistin' like a knife / Disappeared just overnight / Good morning, mystery of life" (dor no meu coração, machucando como uma faca / Desaparece durante a noite / Bom dia, mistério da vida). O momento deste disco se explica com o nome da primeira música, "In Gratitude For This Magnificent Day" (Em Agradecimento por este Dia Magnífico).

Mr. E., está a cominho de seu 10º  disco e já provou, até aqui, que consegue manter-se na industria pop sem parecer vendido e comum. Desta forma, o EELS consegue ser pop, e ao mesmo tempo, indie; inovando um pouquinho aqui e ali, deixando, quase sempre, os críticos e seu público mais que satisfeitos e com a impressão que existe sim muitas coisas bonitas, ou não, que mereçam uma poesia e uma bela melodia.

Um comentário:

  1. Ótima descrição sobre o Mr.E. Não fazia nenhuma idéia de quem ele é. Me simpatizei com sua sofrida história e seu jeito de superar os problemas. Vou baxar a discografia. Parabéns Vi! Ficou muito 'cool'. :)

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