quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA E TRANSFERÊNCIA


por Vivian Vigar
 3º Simpósio de Acompanhamento Terapêutico (AT), Saúde Pública e Educação
Organizado pela Instituição Attenda no dia 03 de outubro de 2015

Como parte de minha formação no CEP (Centro de Estudos Psicanalíticos), optei por ingressar em dois núcleos de estudos e prática: em agosto de 2014 entrei para o núcleo Psicanálise e Instituições onde, além de assistir os seminários teóricos ministrados por diversos profissionais da área de saúde mental e inclusão social, os alunos têm a oportunidade de atender, como psicanalistas, em um dos projetos vinculados ao CEP, por meio do NUPAS (Núcleo de Psicanálise e Ação Social). Dentre estes projetos está o Família em Foco, um abrigo que acolhe famílias em situação de rua, o qual fui designada como psicanalista do grupo de conviventes da casa comunitária.

Seis meses depois, ingressei no núcleo Psicanálise e Psicose onde também, além do seminários teóricos, foi nos dada a oportunidade de atender pacientes, individualmente ou em grupo, da Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima. Em ambos os casos, uma das condições para praticar a clínica é estar sob supervisão com os coordenadores dos núcleos, uma vez por semana.

Como a participação nos núcleos foi meu primeiro contato com a prática psicanalítica, proponho escrever aqui acerca deste momento, acreditando ser profícuo não apenas como reflexão e registro pessoal, mas também como exemplo a ser compartilhado com colegas, principalmente os que estão iniciando ao mesmo tempo que eu. Digo isso pois, no curso de formação percebo a existência de uma certa angústia por parte de outros colegas, além de mim, quanto a forma de intervenção terapêutica na clinica psicanalítica, ou seja, um receio quanto a atuação dentro das fronteiras que  dividem a psicanálise dos diversos tipos de terapia que visam a saúde mental. Assim, acredito que um dos caminhos para percorrer este enigmático começo de maneira responsável - tendo o psicanalista compreendido a demanda de seu paciente - seja prestando atenção especial à relação transferencial entre o analista e o paciente nas manifestações e nos conteúdos sintomáticos, através do desenvolvimento da escuta.

As observações aqui feitas serão entendidas e descritas sob a luz dos seguintes textos: "Transferência", das Conferências Introdutória a Psicanálise (Freud, 1916-1917), "Intervenção sobre a transferência" (Lacan, 1951) dos Escritos, O seminário: livro III. As psicoses (Lacan, 1955-56) e o livro Psicose e Laço Social (Antônio Quinet, 2006). Delimitando ainda mais a proposta deste trabalho, analisaremos somente as incidências clínicas observadas na Casa de Saúde Nossa Senhora de Fátima, deixando as experiências ocorridas no projeto Família em Foco para um próximo relato.

Com o escopo do texto já situado, acredito, agora, ser necessário descrever, mesmo que brevemente, onde me encaixo na parceria entre CEP e o hospital. Para começar, a Casa de Saúde Senhora de Fátima é parte de uma congregação religiosa, atuante em vários países desde 1881, surgida no contexto da invenção humanista da psiquiatria como resposta a uma situação de abandono no campo da saúde e exclusão social dos doentes mentais da época. No Brasil, as Irmãs Hospitaleiras, como são chamadas as mulheres desta congregação, administram três desses hospitais. No caso do Nossa Senhora de Fátima, ele é divido em três alas: uma grande ala com mais de cem leitos para mulheres internadas pelo SUS (Sistema Único de Saúde); uma ala pequena que recebe cerca de 20 homens através de convênios e internação particular; e, por último uma pequena ala, desta vezes feminina, com cerca de 20 mulheres internadas pelo convênio de saúde ou particular. Nessas duas alas menores a proposta é de internação curta, entre um e dois meses, porém há, atualmente, duas pacientes que ali residem, e outras que retornam com muita frequência. A equipe clínica do hospital é formada por psiquiatras, clínicos gerais, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, arte terapeutas e educadores físicos. Visitas diárias às pacientes são permitidas e todas as tardes as mulheres são acompanhadas por um enfermeiro até a pequena cantina, no estacionamento do hospital, onde elas podem comprar doces, salgados, café e refrigerante, por meio de uma conta aberta por seus parentes. Há também um brechó onde algumas compram roupas e acessórios.
Minha primeira aproximação deste hospital se deu em uma sexta-feira de manhã, no dia 27 de fevereiro de 2015, quando o grupo do núcleo Psicose e Psicanálise se reuniu com o coordenador de psicologia do hospital para acertarmos os termos dos atendimentos. Fomos levamos à ala e apresentados à algumas pacientes como estagiários de psicanálise, e uma delas, que chamarei aqui de H, se mostrou bastante interessada, dizendo que apesar de não saber muito sobre Freud e Jung, e que o seu "negócio" era com Vygotsky e Piaget, gostaria muito de ser atendida. Ao falar isso, apontou para mim e continuou: "Eu quero ser atendida por ela!", o que respondi com um sorriso (por dentro muito orgulhoso), dizendo que nos encontraríamos, então, na próxima semana. Um dos empecilhos do trabalho psicanalítico neste hospital, ao meu ver, é o fato de as internações serem curtas, e H, como eu já sabia, era uma das duas pacientes que ali residem, o que possibilitaria uma chance maior de trabalho terapêutico e, principalmente, analítico.

Na próxima semana, após ter pensado um tanto sobre Vygotsky e Piaget, lá estava eu, novamente, no hospital. Ficou combinado que meu horário seria às segundas-feiras por duas horas, e que seria razoável atender uma ou duas pacientes. Logo procurei por H, que estava cochilando deitada no pátio, e a convidei para conversar. Fomos para um jardim atrás da ala, nos sentamos em uma mesa de concreto e logo ela disse: "Me mandaram para você por causa do bolo de cocô, né?" Estranhei essa pergunta, pois H aparentava ser uma senhora, de mais de 60 anos, discreta e elegante, o que de fato, apesar de seus transtornos, ela o é. Respondi que não, mas que ela poderia falar sobre isso. Deu-se um breve silêncio e, logo, ela desatou a falar sem mencionar o cocô. Disse seu nome completo, sua data de nascimento e que era o "típico caso do triângulo edipiano" (nesses termos). Tinha um irmão que cometeu suicídio e duas irmãs: uma separada e outra casada. Sua mãe tem 85 anos e, apesar de ter sido prestativa e carinhosa, tinha ciúme da filha, pois H é, até hoje, apaixonada pelo pai. Esta paciente passa por internações desde os 16 anos e, hoje mora, a contra gosto, na instituição. Após passar uma hora falando quase ininterruptamente, a conversa terminou com uma lembrança "pouco" importante: "Ah! Eu não te disse sobre o estupro, né?" O que eu respondi dizendo que ela poderia falar sobre isso na próxima sessão.

Apesar de todas as pistas que ela possa ter me dado e que eu possa ter perdido, se H é mais psicótica ou neurótica, eu não tenho certeza, mas percebi traços fortes de psicose, como por exemplo sua fala desencadeada e pouco implicada (como o estupro e o cocô), algumas certezas questionáveis e percepções de persecutoriedade por parte de alguns homens relatados por ela. Por outro lado seu relato me parecia mais fantasioso e desejoso do que delirante, o que pode ser devido ao tratamento medicamentoso com anti-psicótico.  Porém não falarei muito mais sobre H, pois tivemos apenas 3 sessões e o que me marcou deste encontro, e o que eu gostaria de abordar aqui sobre ele, foi o fenômeno transferencial.

No começo da segunda sessão, H me presenteou com um colar feito por ela durante uma sessão de arte terapia. Depois continuou seu relato, porém desta vez procurei intervir mais, dado que da última vez ela não me parecia implicada em sua "verborragia". Na terceira sessão H perguntou se era mesmo obrigada a conversar comigo. Disse a ela que não; que aquele era um espaço, um tempo, para ela poder reconstruir um sentido em sua vida: talvez diferente, talvez mais saudável. Ela disse estar muito cansada e que a última sessão havia sido muito difícil para ela, principalmente no tocante ao sexo e ao estupro. Disse também nunca ter solicitado a análise. Lembrei a ela do dia que nos conhecemos e ela respondeu que aquilo (ter apontado para mim) havia sido uma brincadeira, pois além da falta de vontade, nunca se interessaria em ser analisada por uma "estagiária". Disse também ter encontrado, no hospital, um psicólogo jungiano, com quem se identificou mais. Ficamos por ali. Sugeri a ela falar com outros terapeutas, seja do núcleo de psicanalistas ou não, e se, no futuro, desejasse continuar comigo eu estaria lá todas as segundas-feiras.

Apesar do tratamento com H ter sido encurtado, pude observar nele indícios prováveis dos motivos pelo qual a transferência não se sustentou. Imagino que a princípio H pensou que pela análise ela poderia trocar ideias intelectualmente estimulantes (Freud / Jung / Piaget / Vygotsky) e fazer amizade (me presenteou) fora do círculo de companheiras de internação. Porém quando abordamos sua ferida real, saindo da racionalização (ex.: "triângulo edipiano"), para entrar em contato com suas emoções, H recuou. Pareceu-me se esconder em uma fantasia puramente racional, a qual eu não tive a sensibilidade de participar, solicitando muito abruptamente seus sentimentos. No texto "Transferência" Freud questiona as dificuldades transferenciais, quando o paciente se depara com a angústia, surgidas durante o tratamento:

Ele [o paciente] se comporta como se não estivesse em tratamento, como se não tivesse feito um trato com o médico; claramente ele foi tomado por algo que deseja guardar para si. Essa é uma situação perigosa para o tratamento. Estamos, sem dúvida, diante de uma poderosa resistência. O que aconteceu? (FREUD, 1916b, p. 583)

Quando escreveu esse texto para as Conferências Introdutórias, Freud havia se debruçado pouco sobre a causa dos psicóticos e afirmava que os doentes de neuroses narcísicas não possuem capacidade de transferência. "Rejeitam o médico, mas não de maneira hostil , e sim indiferente" (Ibidem, p. 592). De fato, na nossa última sessão, senti a indiferença de H. No entanto, como nos diz Lacan, a resistência é sempre do analista: a resistência deve ter sido minha ao não participar da fantasia de H.

Hoje sabemos que a transferência com pacientes psicóticos acontece por meio do delíro. O filme Don Juan de Marco (Jeremy Leven, 1995)  nos aponta a maestria de um "superpsiquiatra", Dr. Jack Mickler  (Marlon Brando), ao se passar por Don Octavio del Floires, tio de Don Francisco da Silva, o melhor esgrimista do México com quem o suicida, que pensa ser Don Juan (Jonnhy Depp), quer lutar até a morte. O psiquiatra sabe que somente entrando na fantasia de seu paciente poderia construir um laço forte o bastante para convencê-lo a não morrer. Porém, Dr. Jack Mickler - com todas as suas décadas de prática, há poucos dias para se aposentar - não esperava sentir profundamente, em sua própria defesa neurótica, a defesa alucinatória de seu paciente, transcorrendo em uma contratransferência que veio a ser essencial para o tratamento do jovem.

Se na neurose é somente pela transferência que temos a possibilidade de resgatar a experiência vivida do paciente e "tornar consciente o inconsciente, anular as repressões, preencher as lacunas da amnésia - todos dizem a mesma coisa" (Ibidem, p. 575) E, assim, "eliminamos as condições para a formação de sintomas e transformamos o conflito patogênico em um conflito normal"  (Ibidem). Ou nas palavras de Lacan, o analista usa a transferência para fazer "o retorno às origens [...] das relações dialéticas que constituíram o momento do fracasso" (Lacan, 1951, p. 217) do paciente. Na psicose escutamos o discurso do psicótico, mesmo que desorganizado e delirante, na busca de significantes importantes para a construção de um suporte que ajude o psicótico a sustentar o seu lugar na realidade. Esta função é conhecida como "secretário do alienado", defendida por Lacan:

Vamos aparentemente nos contentar em passar por secretários do alienado. Empregam habitualmente essa expressão para censurar a impotência dos seus alienistas. Pois bem, não só nos passaremos por seus secretários, mas tomaremos ao pé da letra o que ele nos conta – o que até aqui foi considerado como coisa a ser evitada. Não é por ter estado longe o bastante na sua escuta do alienado que os grandes observadores que fizeram as primeiras classificações tornaram sem vigor o material que lhes era oferecido? (LACAN 1955-56, p. 236).

Pois bem. Em minha transferência com H, faltou-me, talvez, está escuta desafetada da minha neurose. Mas seguindo em frente, continuando com o filme Don Juan de Marco, abordando outro importante tópico na prática clínica da psicanálise: a escuta do sentido do sintoma. Introduzirei aqui, também, outra paciente atendida por mim no Nossa Senhora de Fátima, que chamaremos de M.

Vamos, primeiramente, ao filme. Após a tentativa de suicídio, Don Juan é levado para internação psiquiátrica, onde desenvolve o vínculo com o Dr.  Jack Mickler. Vínculo, este, fortalecido, como dizíamos anteriormente, muito, as custas da neurose do próprio psiquiatra. Constituindo-se a transferência mútua - que podemos chamar de contratransferência - o psiquiatra iniciou a investigação da origem do sintoma de seu paciente, supostamente, esquizofrênico. Mesmo pressionado pela equipe do hospital a medicar Don Juan, Dr. Mickler se recusa, e pede dez dias de intervenção terapêutica não medicamentosa para encontrar, em meio ao delírio, um significante que dê  sentido à história vivida por Don Juan. Assim, na esquizofrenia, o analista se torna o secretário do alienado.

Considerar que os fenômenos têm um sentido foi o passo que Bleuler deu com Freud para introduzir a esquizofrenia numa clínica do sujeito. O outro passo que devemos dar é considerar todos os fenômenos dos pacientes como tentativas de estabelecimento de algum vínculo com o outro. (Quinet, 2006, p. 54)

O filme leva a questão da não medicalização às últimas consequências mas, para viabilizar a alta do paciente, Dr. Mickler não encontra outra saída senão sucumbir ao anti-psicótico. O autor citado acima, Antônio Quinet, também explicita sua opinião a este respeito:

A direção do tratamento na esquizofrenia vai no sentido daquilo que não se efetuou para ele e que ele mesmo se esforça em realizar. Daí o clínico não dever a qualquer custo eliminar os sintomas do sujeito, o que não quer dizer que não deva indicar a medicação para atenuá-los. A medicação deve ser um auxiliar na análise dos esquizofrênicos. (ibidem)

No caso da segunda paciente que lhes trago, M, percebo novamente a necessidade de aprimorar minha escuta para conseguir definir, teoricamente, sua estrutura psíquica e o sentido de seus sintomas. Com 30 anos de idade, M passou por mais de dez internações desde os 16 anos (assim como H), quando relatou para sua mãe ouvir vozes e acreditar ter sido sorrateiramente atacada por hackers que implantaram nela um chip amplificador do som das ondas cerebrais, para seus pensamentos serem lidos por outras pessoas. Através deste chip, supostamente, roteiristas de um programa de humor da internet utilizam seus pensamentos e suas experiências cotidianas para criar sketches assistidos vastamente pelos brasileiros. Este sintoma não tem aparecido em nossas sessões, talvez devido a medicação controlada, senão em nossas conversas sobre o passado. Desde então já foi internada por diversos outros motivos, principalmente, o abuso de drogas e agressão contra familiares. Apesar dos delírios persecutórios, outros sintomas manifestos se mostram tão importantes quanto, principalmente, revelando fortes características histéricas. Uma das principais queixas de M é bastante típica da clínica contemporânea: fibriomialgia e síndrome miofascial, uns dos mais frequentes substitutos das clássicas contraturas e paralisias observadas pelos médicos do século 19. A paciente é acometida, também, pela forte dependência de sua família; sofre e deseja, simultaneamente e antecipadamente, a morte dos pais, pois imagina que quando eles morrerem sua irmã mais nova irá interditá-la e mantê-la para sempre no hospital. O tema da herança é repetido nas sessões, pois pensa que o pai - acamado com demência alcoólica - irá morrer logo e ela não terá acesso ao dinheiro, dada a rivalidade mantida contra a mãe e a irmã, por quem, ao mesmo tempo, nutri a raiva e a angústia da perda do amor.

Esse é apenas um recorte do caso de M; algumas pistas, generosamente, fornecidas por ela para podermos submergir do seu atual cenário para um nível mais primitivo e, assim, tentar entender, como nos diz Lacan, as "relações dialéticas que constituíram o momento do fracasso".

Nossa relação transferencial me parece estável. Por vezes M demonstra curiosidade em relação a minha vida pessoal; algo que eu procuro tratar com naturalidade, mesmo porque ela se satisfaz facilmente com minhas respostas, voltando logo para o seu próprio conflito. Isto foi algo valioso que aprendi durante nossas sessões: a importância em não simular algo que não sou, submetendo-me ao velho estereotipo do psicanalista.

Enfim, tendo a oportunidade de fortalecer nossa transferência semanalmente, procuro auxiliá-la a entrar em contato com sua história, desconstruindo, pouco a pouco, algumas defesas disfuncionais, principalmente o uso de drogas, e procurando significantes funcionais advindos dos momentos quando ela desfrutou de mais independência prática e emocional. Porém, não tarde e sua resistência logo aparece, repetindo suas deficiências agravadas tanto pela adicção quanto pela rejeição da família. Este movimento de resistência, como diz Freud, é bastante perigoso, principalmente porque M, me parece muito próxima de um estilhaçamento absoluto. Portanto devemos prosseguir lentamente afim de não romper nosso laço antes que ela perceba a existência de saídas do curto-circuito onde habita.

Narrarei um momento frutífero da análise em direção ao sentido de seus sintomas: certa vez, quando contava sobre sua infância, M dizia que quando seu pai estava alcoolizado ficava muito grudento. Ela lembrava, com asco, em seu corpo incomodado, do cheiro "viscoso" de álcool nos beijos e abraços de seu pai. Carinho, este, nunca demonstrado nos momentos de sobriedade. Perguntei a ela se a lembrança não a remetia a algo, o que ela pensou e concordou comigo. Muito provavelmente ela estava repetindo um exemplo familiar. Nos termos psicanalíticos, estava identificada, fixada na imagem de seu pai. Explico: dias antes ela havia relatado a nítida impressão das pessoas não a "aguentarem", pois ela é "muito amorosa" e "chiclete".  

O caso de M se confunde na escuta. Se por um lado ela demonstra comportamentos histéricos, não apenas pela provável conversão psicogênica na fibriomialgia e na síndrome miofascial,  mas também pelo frequente - e incômodo - apelo por ajuda e favores a qualquer profissional do hospital, tendo crises de automutilação quando frustrada em sua demanda; por outro lado não podemos esquecer as memórias delirantes de hackers, e, principalmente, as memórias persecutórias em relação a sua família, além de seu histórico de abuso de drogas.

Sobre este último sintoma, devo acrescentar um sentimento ambíguo da paciente: ao mesmo tempo em que ela é consciente dos danos dos anos de abuso de substâncias psicoativas (lícitas e ilícitas), ela age sem alarde em relação ao vício e não apresenta crise de abstinência (ou apresenta pouca) quando em fase de desintoxicação. Não é difícil de constatar que esta ambiguidade de M, em alguns aspectos da sua vida podem ser remetidos a uma clivagem psíquica.
 
Assim, independente de sua estrutura (neurótica, psicótica, borderline?), opto por acompanhá-la em sua frustração - não possuir o objeto perdido e impossível de reaver - percebendo a necessidade de percorrer, junto a ela, pontos de sua história que sustentam algumas vitórias de sua singularidade, para conseguir construir (ou reconstruir?) um sentido em sua vida que não seja relacionado a autodestruição.



BIBLIOGRAFIA

FREUD, S. "Transferência" in: Obras Completas - volume 13: Conferências Introdutórias à Psicanálise [1916-1917].  Tradução Paulo César de Souza. São Paulo; Companhia das Letras, 2010.

LACAN, J. (1951). "Intervenção sobre a transferência". In Escritos. Tradução Vera Ribeiro. Jorge Zahar Editor. Rio de Janeiro. 1998.

LACAN, J. (1955-56) O seminário: livro III. As psicoses. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988.

QUINET, A. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranóia e melancolia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário