Publicado na Revista Alterjor, Vol. 2, No 8 (4)
RESUMO
ESTE ARTIGO INVESTIGARÁ A PRODUÇÃO, DISTRIBUIÇÃO E
CONSUMO DO JORNALISMO CULTURAL ALTERNATIVO, ABORDANDO ALGUNS CONCEITOS,
PROPOSTOS ANTERIORMENTE NO MEIO ACADÊMICO, QUE DISTINGUEM O JORNALISMO
ALTERNATIVO DE OUTRAS FORMAS DE JORNALISMO, ASSIM COMO ABORDARÁ A IMPORTÂNCIA DO USO DE LINGUAGENS ADEQUADAS
NA CRÍTICA DA ARTE PARA ESTE JORNALISMO QUE CONSERVA-SE FORA DA GRANDE
IMPRENSA.
PALAVRAS CHAVES
JORNALISMO CULTURAL;
CONVERGÊNCIA/HIBRIDAÇÃO; IMPRENSA ALTERNATIVA; LINGUAGEM; VANGUARDA.
INTRODUÇÃO
O Jornalismo Alternativo é frequentemente visto, no Brasil,
como aquele que se opunha ao governo no período do regime militar (1964 - 1985),
representado por veículos como O Pasquim
e Opinião. De fato, este é um
exemplo correto, porém, não deve ser restringido a isso. O jornalismo
alternativo pode ser a voz de qualquer tipo de dissidência, seja às políticas ttalitárias,
liberais, ou mesmo às estruturas culturais e qualquer outra forma de
organização estabelecida. Por isso, ainda hoje, mesmo sendo o Brasil um país
democrático, e que dispõe da tecnologia dos novos métodos de produção e
distribuição, ele continua a ter seu papel, mas com outras implicações
condizentes com o contexto atual.
Com o poder estatal cada vez mais enfraquecido, devido a
absorção de políticas neoliberais, principalmente desde o governo de Fernando
Henrique Cardoso, muitas funções sociais, antes restritamente de incumbência
dos órgãos públicos, estão sendo delegadas às instituições privadas, por meio
de leis de incentivo, sob o emblema da "responsabilidade social".
Além do mais, a tecnologia e a informação estão mais acessíveis à população,
propiciando cada vez mais a sua participação ativa no discurso
político-cultural.
Neste cenário, a principal diferença entre a grande imprensa e a imprensa alternativa é que, enquanto a primeira trata suas notícias
com hipotética imparcialidade e objetividade, – e sendo ela mesma uma estrutura
poderosa e dominante – a segunda, a
imprensa alternativa, salvo exceções, adota uma posição, que buscará defender
em nome de uma ideologia e, geralmente, na contramão do que a grande imprensa
está fazendo.
No entanto, existem diversas maneiras de praticar o
jornalismo alternativo, sendo ele flexível – assim como a grande imprensa de
países democráticos –, em oposição às práticas midiáticas monolíticas
encontradas em regimes totalitários.
No caso do jornalismo cultural, em
sua forma alternativa, não é somente uma resposta à hegemonia da indústria
cultural, mas também a outros fatores que envolvem o processo de comunicação da
grande imprensa. São eles:
- os modelos de financiamento, distribuição e produção praticados por veículos tradicionais que estão acomodados no sustentáculo de grandes organizações e cujo público já está cativado pela fórmula utilizada, muitas vezes engessada há muito tempo, dispensando, assim, os riscos de experimentações tecnológicas.
- e a linguagem homogênea da grande imprensa que, muitas vezes, trata todos os temas como se fossem uma reportagem recorrente e morna, por exemplo, sobre a importância da ginástica laboral em call centers.
Como a ideia deste artigo nasceu da frase de Claudney
Ferreira na publicação Princípios
Inconstantes: "Com as possibilidades digitais, cada vez mais, criar,
produzir e veicular informações culturais se confunde com a própria expressão
artística" (2010), e a minha hipótese é de que a imprensa alternativa tem
um papel historicamente importante no desenvolvimento do jornalismo, pretendo
traçar uma linha entre os dois tipos de imprensa a fim de entender as
vantagens, fraquezas e possibilidades do jornalismo alternativo, afunilando o
debate no escopo dos veículos especializados na cobertura cultural e no
jornalismo literário, por meio da história, dos contextos e da linguagem.
É comum que quando falamos sobre o jornalismo dito
"alternativo", nos deparamos com alguns estigmas que tratam o
conceito como pretensioso. Mas para desanuviar e legitimar este termo, podemos
recorrer a trabalhos e livros acadêmicos sobre o assunto. Dentro do conjunto de
obras verificadas, a mais recente, foi o trabalho do professor escocês, Chris
Atton, que possui quatro livros publicados no assunto, e um
artigo do professor de Mídia e Comunicação, da Áustria, Christian Fuchs, que
também investiga a imprensa alternativa. No Brasil, verifiquei que os
jornalistas Daniel Piza e Elizabeth Lorenzotti reconhecem o termo, em seus
livros, Jornalismo Cultural (2004,
p. 39) e Suplemento Literário – Que
Falta Ele Faz! (2007, contracapa), porém sem se aterem a ele.
Outras leituras que auxiliam no embasamento deste artigo são as
investigações de Noam Chomsky e Edward S. Herman ([1988] 2003) sobre a
manipulação do público pelo poder político e econômico na mídia; as diferentes
formas de consumo de informação que estão emergindo conforme as possibilidades
das novas mídias, pesquisada por Lúcia Santaella e Henry Jenkins; trechos de
alguns clássicos da Escola de Frankfurt; além de diversos fragmentos de intelectuais
dos estudos culturais como Raymond Willliams, Stuart Hall, Slavoj Zizek e
artigos de jornais e revista.
Para organizar o artigo, o texto foi divido em quatro partes:
a primeiro investigará o conceito de cultura que abrange o Jornalismo Cultural;
a segunda parte, dará enfoque a dois modelos de consumo midiático, propostos
por Lúcia Santaella e Henry Jenkins; a terceira parte apresentará o
entendimento, neste artigo, da imprensa alternativa a partir do livro Alternative Journalism (2008) de Chris
Atton e James Hamilton, e do artigo de Christian Fuchs, "Alternative Media
as a Critical Media" (2010); a quarta parte buscará entender a situação
atual do jornalismo cultural, principalmente, no Brasil, diante de suas
relações com a indústria cultural e a pós-modernidade. Além disso veremos, como
sugestão para a prática do da crítica de arte que pode ser usado na imprensa
alternativa, um resumo do brilhante diálogo entre Gilbert e Ernest: dois personagens
criados por Oscar Wilde para discutir o papel do crítico de arte, no artigo,
"O crítico como artista" publicado primeiramente em 1891, no livro Intentions.[1]
Estudar a mídia contemporânea é, sem dúvida, uma tarefa
complexa e, por isso, estou certa de que muitas opiniões e pontos de vista
foram esquecidos e relevados. Mas ainda assim, procuramos formular um esclarecimento
a cerca da situação das mídias que tomam a cultura como objeto, tendo como
principal força motriz minhas experiências e gostos pessoais. Assim, esta
pesquisa é, para mim, explanadora e prazerosa.
QUESTÕES CONCEITUAIS
“Media is a word that
has come to mean bad journalism”
Graham Green
Para discorrer sobre o
Jornalismo Cultural, praticado na grande imprensa ou nos veículos alternativos,
devemos, inicialmente, partir de alguns esclarecimentos de caráter conceitual
dos termos cunhados como protagonistas deste artigo, a saber: "cultura",
"consumo midiático" e "alternativo".
1 - Sobre a
cultura do Jornalismo Cultural
A cultura abordada pelo Jornalismo Cultural possui menos
abrangência que o sentido antropológico alcançado pela palavra e definido por
Edward Burnett Tylor, no século 19, como:
[...] aquele complexo inteiro que inclui o conhecimento, as
crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e
aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade. (TYLOR, 1958,
p. 1).
No artigo "Cultura no
Jornalismo Cultural", Denise da Costa Oliveira Siqueira e Euler David de
Siqueira falam sobre a incoerência de existir, nos jornais,
um caderno chamado cultural se
partimos do princípio de que tudo o que envolve hábitos e aptidões humanas,
desde a produção de livros até os processos judiciários e legislativos, o
desenvolvimento de tecnologias, as relações sociais, e até mesmo, como
exemplificado por eles, a fabricação de mesas e automóveis, são produções
culturais, tal qual as entendemos antropologicamente. Ou seja,
interpretando cultura nesta acepção,
todos os cadernos dos jornais seriam culturais.
Um dos itens escolhidos por
Dietrich Schwanitz para compor seu livro Cultura
Geral - Tudo o que se deve saber (2007), é o jornalismo cultural. Nele,
Schwanitz conta que a palavra folhetim, empregada aos cadernos de cultura,
"vem do francês feuilleton, que
significa folha pequena. [O feuilleton]
foi criado pelo abade Geoffroy para o Journal
des Débats, em cerca de 1800, e, originalmente, destinava-se apenas à
crítica de teatro." (SCHWANITZ, 2007, p. 406)
Voltando ao artigo de
Siqueira e Siqueira, para entender o sentido da palavra cultura, quando usada no contexto jornalístico, os autores fazem um
retrospecto do termo (herdado do latim, colere,
que significa "cultivar")[2],
até meados do século 13, e analisam seu uso para diferentes implicações das
ciências humanas hoje.
É
interessante notar que o sentido do termo sofre uma transformação, passando do
cultivo de alguma coisa para cultura como uma ação de aprimorar o homem. Não
obstante, da cultura da terra à cultura do espírito humano, tem-se a passagem
de um plano concreto para um plano abstrato: o pensamento.
[...]
Ao
longo do século XVIII, no Iluminismo, cultura se refere à formação, à educação
do espírito, da alma. Em seguida, houve uma inversão nessa estrutura: passando
a cultura – ação de educar – a designar o indivíduo que fosse ou não seu
portador. De uma ação, instruir, passa-se a um estado: ter ou não ter cultura.
Nesse momento, no Iluminismo, a oposição Cultura x Natureza se cristaliza. (SIQUEIRA e SIQUEIRA, 2007)
Para concluir o que difere o
Jornalismo Cultural de jornalismo como um todo (que toma como objeto a
economia, o cotidiano, a política e a tecnologia), Siqueira e Siqueira invocam
o estudo
do antropólogo francês Denys Cuche sobre a dicotomia Zivilization e Kultur, na
Alemanha do século 18. Para os intelectuais alemães, que fizeram esta
distinção, Zivilization eram as
práticas das cortes influenciadas pela noção francesa de civilização. Nessa
época, os franceses adotaram o desenvolvimento científico e tecnológico como
valores supremos, baseados no "desprendimento do homem da irracionalidade
do mundo natural, selvagem e desordenado [que], para os intelectuais alemães
implicava formas ilusórias, epifenomenais e não verdadeiras".
(SIQUEIRA e SIQUEIRA, 2007). Kultur, por sua vez,
era defendida pelos intelectuais alemães como a "verdadeira e profunda
cultura de um povo, seria a oposição simétrica da noção de civilização, algo superficial
e efêmero". A partir desta perspectiva, o Jornalismo Cultural se aproxima
do Kultur:
[...]
ao expressar valores, ideias e modos profundos de ser de um povo, revelando aspectos
internos, ocultos, profundos. [...] os cadernos culturais poderiam trazer
a marca de um grupo social, suas realizações subjetivas e que dificilmente têm
algo a ver com o avanço tecnológico, com o grau de domínio do homem sobre a
natureza ou o quanto um povo estaria mais “adiantado” do que outro (SIQUEIRA e SIQUEIRA,
2007).
Ao terminarem a reflexão
sobre o que entendemos por cultura no
Jornalismo Cultural, Siqueira e Siqueira atentam para
uma reviravolta no conceito:
Nos
cadernos culturais apareceriam elementos que expressariam a forma de ser
de um povo. A dança seria uma dessas manifestações de um grupo social que são
únicas e não comparáveis. A ênfase de uma parte do jornal como sendo eminentemente
cultural parece obedecer à mesma dicotomia entre civilização e cultura
para os intelectuais alemães. Assim, vão aparecer temas ligados às artes, às letras,
à filosofia, à religião, à dança, enfim, assuntos que valorizam as realizações
interiores e espirituais. No entanto, o processo contemporâneo de
comercialização e prestação de serviços através dos cadernos culturais parece colocá-los
mais próximos do conceito de Zivilization
do que daquele de Kultur. (SIQUEIRA e
SIQUEIRA, 2007).
Deve-se citar também o
momento atual da arte que, a partir das inovações tecnológicas, cria
experiências virtuais e novas formas de distribuição e relação profissional.
Este é o caso, por exemplo, do Creator's
Project – uma rede
global, para artistas que "estão usando a tecnologia [digital] para
expandir os limites da expressão criativa"[3].
Além da plataforma digital com o perfil de mais de cem artistas dos Estados
Unidos, China, Brasil, Inglaterra, França, Alemanha e Coreia do Sul, o Creator's Project organiza eventos de
música, cinema, arte e debate, e, ainda, patrocina o The Studio, um programa de produção
e distribuição do trabalho de artistas independentes, mantendo os direitos
intelectuais em propriedade do artista. Ao ver a produção de arte por este
ângulo (da dependência da evolução das ciências tecnológicas e do apoio de
grandes empresas com interesses econômicos _ que, neste caso, é uma iniciativa
da Intel em parceria com a Vice), percebe-se uma prática cultural próxima ao
conceito de Zivilization.
Porém, por outro lado, a
linguagem e a mensagem explícita nesses trabalhos artísticos (mesmo que
patrocinados e suportados pela indústria tecnológica) continuam refletindo
questões de caráter espiritual, reflexivo e até possibilitando uma conexão
emocional com a ciência, devido ao fato de muitas ideias apenas serem viáveis
de se
realizar por meio da tecnologia[4].
Assim, a cultura da arte digital, como objeto do Jornalismo Cultural, volta
novamente a encontrar-se com a Kultur.
Pode-se notar,
também, que foi deste termo que Max Horheimer e Theodor W. Adorno se apropiaram
para escrever sobre a indústria cultural, (em alemão, Kulturindustrie) no livro
Dialética do Esclarecimento.
2 -
Modelo de consumo midiático
Entendida a cultura que o Jornalismo Cultural abrange,
veremos – com base na teoria da "cultura
digital", de Lúcia Santaella (2003) e a "cultura da
convergência" (2008), de Henry Jenkins _ como a sociedade pós-moderna e
globalizada consome informação.
Esse processo de consumo
(que também é um processo cultural), de acordo com Santaella, evolui conforme o
advento de novas tecnologias, a qual a autora denomina "eras
culturais". São estas: cultura
oral, cultura escrita, cultura impressa, cultura de massa e a mais
atual: a cultura digital.
Estas formas de cultura são
definidas pelos meios utilizados para a produção, distribuição e consumo de
mensagens, e a passagem de uma era para outra se dá gradativamente. Nas palavras
de Santaella, "uma forma comunicativa e cultural vai se integrando na
anterior, provocando nela reajustamentos e refuncionalização" (SANTAELLA,
2003a, p. 52).
No livro Da
cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano (2003a), Santaella explica que, nos anos 1980, com o
surgimento de novas tecnologias como o videocassete, a fotocopiadora, o
controle remoto e a TV a cabo, o público passa
a ter mais facilidade para optar pelo tipo de informação que deseja e,
consequentemente, passa a demandar conteúdo mais heterogêneo. Este novo padrão
de consumo se difere da cultura de massa que é, essencialmente, homogênea, fruto
da produção em escala industrial, elaborada por poucos e consumida por muitos.
Esta demanda por conteúdo
heterogêneo começou a acontecer em meio à transição entre a cultura de massa e
a cultura digital. Esta fase é chamada por Santaella de "cultura das
mídias", quando, frente às novas tecnologias dos anos 1980, o público saiu
da "inércia da recepção de mensagens impostas de fora e [foi treinado]
para a busca da informação e do entretenimento" que deseja. (ibid, p. 16)
A cultura das mídias é
marcada, então, por uma convivência
dos diferentes meios, inaugurando "uma dinâmica que, tecendo-se e se
alastrando nas relações das mídias entre si, começava a possibilitar aos seus
consumidores a escolha entre produtos simbólicos alternativos" (ibid, p.
53), enquanto a predecessora, cultura digital, apresenta a convergência das mídias, onde um único aparelho transmite mensagens
de todas as mídias, "conectando potencialmente qualquer ser humano no
globo numa mesma rede gigantesca de transmissão e acesso".
(ibid, 2003a, p. 71)
Muito próximo ao conceito de
cultura digital, de Lúcia Santaella, está o conceito de "cultura da
convergência", de Jenkins. As principais diferenças
entre Santaella e Jenkins é que, para o segundo, a "convergência não
ocorre por meio de aparelhos [mas sim], dentro dos
cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com
outros", influindo diretamente (assim como na cultura digital de
Santaella) no processo de produção de bens simbólicos.
Para Jenkins,
"convergência representa uma transformação cultural, à medida que
consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em
meio a conteúdos de mídias dispersos" (JENKINS, 2008, p. 30). A
"cultura da convergência" se dá a partir do surgimento de uma cultura participativa, viabilizada pela
interatividade das novas mídias. Com isso, o fluxo
midiático unilateral produtor-consumidor foi colocado em
xeque e, cada vez mais, os consumidores participam ativamente na produção
daquilo que é oferecido pelos meios de comunicação.
Entender a "cultura
da convergência" e a "cultura digital" é fundamental, mas não o
suficiente para garantir a sobrevivência e a qualidade de qualquer veículo de
comunicação. De acordo com Jenkins, o futuro das mídias depende também do
equilíbrio entre duas tendências hoje em curso[5].
O autor alega que:
[...]
por um lado, novas tecnologias reduziram os custos de produção e distribuição,
expandiram o raio de ação dos canais de distribuição disponíveis e permitiram
aos consumidores arquivar e comentar conteúdos, apropriar-se deles e colocá-los
de volta em circulação de novas e poderosas formas. Por outro lado, tem
ocorrido uma alarmante concentração de propriedade dos grandes meios de
comunicação comerciais, com um punhado de conglomerados dominando todos os
setores da indústria de entretenimento". (JENKINS, 2008, p. 46)
De acordo com o autor, este
fenômeno divide a opinião entre aqueles que acreditam que não haverá mais
controle da informação transmitida pelos meios, e aqueles que temem a centralização
desse controle nas mãos de uma minoria. Para Jenkins, existe um meio-termo.
Em todos os casos, na
sociedade democrática, a comunicação acontece nos dois sentidos entre o emissor
e o receptor, porém, com algumas exceções[6]
existe, nessa comunicação, um ruído, uma influência do mercado que anuncia e
paga pelas publicações (ou transmissões, no caso do rádio e da TV). Esse ruído
pode se dar mais ou menos intensamente, equalizando o poder do mercado e a
forma de produção e distribuição da informação em relação à independência
editorial.
A seguir, polarizando esses
padrões, temos em uma face da moeda, uma mídia que depende da demanda
mercadológica para se sustentar, e por isso, se pauta de acordo com esta e, na
outra face, a suposta independência editorial, onde o veículo escolhe, conforme
a importância e relevância para o seu público, os assuntos que abordará.
Pode-se, então, identificar esses dois tipos de mídia, e como cada uma lida com
o público e com a informação.
2.1
– Pós-modernidade: convergências e hibridações
No livro de Santaella, Por que as comunicações e as artes estão
convergindo? (2005), a autora aponta para as consequências que a cultura de
massa, propiciada após a revolução industrial e as técnicas de reprodução de
bens simbólicos, ou máquinas semióticas, – principalmente a prensa mecânica, a
máquina fotográfica e o cinematógrafo –, trouxeram para as comunicações e as
artes.
Neste período, o que era – desde o Renascimento –, distintamente divido
entre cultura erudita e cultura popular, passou a se entrecruzar, assim como as
formas de comunicação e de arte. "As artes foram crescentemente
incorporando os dispositivos tecnológicos dos meios de comunicações para sua
própria produção", como os dadaístas que se apropriaram da fotografia
(SANTAELLA, 2005, p. 12). Por outro lado, os meios também absorveram a arte,
como vemos, por exemplo, no caso da televisão que se apropriou de linguagens
artísticas e da música para a produção de video clips (ibid., p. 52).
Estes processos de convergência e hibridação, que hoje encontram-se no
patamar da arte digital e no jornalismo colaborativo, construíram um teia de
cooperação onde, ao mesmo tempo em que "cada vez mais as mídias
desempenham um papel crucial no sucesso de uma carreira [artística]", elas
se sustentam pela arte, a ver os canais de televisão especializados em gêneros
específicos de filmes, óperas e concertos, ou a publicidade que incorpora a
imagem artística mesclada à imagem do produto, e imita o estilo e o modo de
compor da arte (ibid., p. 15 e 43).
Vale salientar a diferença entre convergência e hibridação: Enquanto
convergência significa a "ocupação [de duas ou mais estruturas diferentes]
de territórios comuns, nos quais as diferenças se roçam sem perder seus
contornos próprios" (ibid., p. 7), hibridação significa a mescla, a
adaptação de uma estrutura ao se fundir com outra; está relacionado à
transformação de um antigo paradigma em algo novo, uma cultura, ora pura, ora
impura. Nas palavras de Nestor Garcia Canclini (antropológo argentino em quem
Santaella apoia-se para elaborar sua teoria sobre a cultura das mídias
[SANTAELLA, 2003, p. 12]), existem "três processos fundamentais para
explicar a hibridação: a quebra e a mescla das coleções organizadas pelos
sistemas culturais, a desterritorialização dos processos simbólicos e a
expansão dos gêneros impuros" (CANCLINI, 1997, p. 283).
Esses fenômenos, típicos da sociedade contemporânea pós-moderna, são
demarcados por John Walker, no livro Art in the Age of Mass Media (1994)[7] pelas seguintes
características: A pluralidade de estilos; a intertextualidade de discursos de
diferentes períodos e estratos; a decoratividade; a complexidade, contradição e
ambiguidade; a arquitetura e o design agora concebidos semioticamente como
signos capazes de comunicar mensagens; o hedonismo, através do lúdico, do humor
e do ornamento; e as misturas entre estratos culturais, artes aplicadas e
comerciais (SANTAELLA, 2005, p. 47).
A reverberação destas características sociais no jornalismo pode ser
positiva, pois permite, ao jornalista, mais liberdade de criação, ao criticar
ou reportar um trabalho artístico, apropriando-se de diversas linguagens e
técnicas, e podendo, assim, deixar o texto mais interessante, sofisticado e
esclarecedor. Santaella acredita que, "alimentar o separatismo" entre
as comunicações e a arte "conduz severas perdas" para os lados: para
a arte "porque ela fica limitada pelo olhar conservador que leva em
consideração exclusivamente a tradição de sua face artesanal" e, para a
comunicação, porque esta "fica confinada aos estereótipos da comunicação
de massa" (SANTAELLA, 2003b, p. 9).
3 - A
imprensa alternativa
É importante ressaltar que o termo alternativo (assim como cultura, e mais ainda quando se refere à
arte e à cultura) é por demais elusivo, podendo ficar vulnerável à conveniência
de cada um. Em outras palavras, o que pode ser alternativo para alguns, é mainstream
para outros. Porém, o empirismo aqui é pouco importante, e assim, devemos nos
ater ao desenvolvimento desta definição com base em estudos prévios sobre o
assunto.
Outro fator que pode provocar
confusão é a existência do mercado de segmentação. Apesar de publicações
alternativas também serem feitas pensando em um público ou fenômeno específico[8], elas têm marcas de ruptura com a ideologia dominante, com novas ideias
e linguagens ainda não exploradas pela grande imprensa.
No Brasil, esse jornalismo,
considerado "lado B" ganha pouca atenção, tanto na mídia como na
academia, e, normalmente, quando abordado, é vinculado à blogsfera (SÁ,
2010), ao Jornalismo de Guerrilha (CHINEM, 2004) ou a
Movimentos Sociais (GÓES, 2008). Vejamos brevemente estes três casos discutidos no País e, depois, sua
definição conforme Atton e Fuchs
·
Blogsfera: É a forma
de jornalismo mais independente que se conhece hoje. Pode ser feito por
qualquer cidadão alfabetizado e que tenha acesso à internet. É o ponto máximo
da democratização da informação, em que pessoas que não se veem representadas
pela mídia tradicional têm voz ativa. Além disto, é caracterizado pela
velocidade de publicação, recepção e
feedback da mensagem.
·
Jornalismo de
Guerrilha: Prática
jornalística que se opunha à ditadura (1964-1984) no Brasil. Era feito por
estudantes e intelectuais, que distribuíam o conteúdo em forma de panfletos ou
tabloides. Entre as publicações mais importantes estão O Pasquim, Opinião e Movimento.
·
Movimentos Sociais:
Em um artigo publicado na revista da Universidade da Bahia, o jornalista Laércio Torres de Góes (2008), analisa as
características da mídia alternativa a partir da observação de duas agências de
notícias comprometidas com os movimentos antiglobalização. Estes movimentos – que flertam com o ativismo ecológico e o Culture Jamming[9] – são os mais próximos que temos hoje de uma "contracultura".
Para Góes, mídia alternativa é aquela que "privilegia o
seu potencial transformador como instrumentos reflexivos de práticas de
comunicação em redes sociais."
O segundo e o terceiro itens
citados acima, apesar de serem classificados como jornalismo alternativo pelos autores, Chinem e Góes, de acordo com
Atton são exemplos de jornalismo radical. Para este último, "radical"
alenta a preocupação com mudanças (ou revoluções) sociais, enquanto
"alternativo" pode ser aplicado de maneira mais ampla[10].
O
costume e a prática da mídia alternativa na década passada parecem
ter cunhado “alternativo” como a palavra
preferida. Como um termo abrangente, sua força reside no fato de poder envolver
mais que “radical” ou “publicação
de mudanças sociais”; pode incluir revistas de
comportamento alternativo, uma grande variedade de fanzines e pequenas tiragens de edições de poesia e ficção.
Empregar “alternativo” como um termo
analítico, pode nos proporcionar um pouco mais de especificidade que dizer “não mainstream”. (ATTON,
2002, p. 10)
Atton (2002, p. 27) fornece
um conjunto de características que pode classificar uma mídia como alternativa: conteúdo (radical, seja ele
político ou cultural e noticioso); forma (gráfica/linguagem visual, estética e variedades
de representações); uso de inovações reprodutivas/adaptações (utilizando-se de
toda a tecnologia disponível); meios de distribuição alternativos e caráter anticopyright; transformação
dos papéis sociais e relações (organizações coletivas e não profissionalização
- por exemplo, jornalista, editor, impressor); transformação do processo de
comunicação - em rede).
Este
conjunto de especificações podem nos ajudar a definir uma publicação como alternativa com base em suas práticas de
produção. Unindo este trabalho à visão marxista de Fuchs, é possível se aproximar
de uma definição conceitual mais abrangente de mídia alternativa. Para ele, essa
mídia "não deve ser entendida somente pelas práticas [...], mas também
como uma mídia que questiona a sociedade dominante." (FUCHS, 2010, p. 174).
Isto é o que ele chama de "mídia crítica" e a define como provedora
de conteúdo:
[...] que mostra
as possibilidades reprimidas de existência, descreve os antagonismos da
realidade e potencialidades para a mudança, questiona a dominação, expressa os
pontos de vista de grupos e indivíduos oprimidos e dominados, e defende o
avanço para uma sociedade cooperativa. A forma do produto da mídia crítica visa
a promover a imaginação, ela é dialética, pois envolve a
dinâmica, não identidade, a ruptura e o inesperado.
(FUCHS, 2010, p. 189)
Fundamentado nos processos
de recepção, que determinam a interpretação de uma mensagem, propostos por
Stuart Hall (1999 apud FUCHS, 2010) - indeterminismo (onde o significado é
negociado), determinismo (significado hegemômico) e oposicional (significado
contraditório) - Fuchs ainda sugere mais dois processos: a recepção
manipulativa e a crítica.
No primeiro caso, o conteúdo é interpretado de maneira a criar uma falsa consciência.
No segundo caso, o conteúdo é interpretado
de maneiras que permitam aos destinatários questionarem a dominação". (FUCHS,
2010,
p. 179)
Uma questão de
difícil abordagem quanto às mídias alternativas é a de seu financiamento.
Devido a sua estrutura e alcance limitado, essas mídias têm dificuldade em
levantar recursos e, muitas vezes, influenciadas pelo segundo filtro de notícias
de Chomsky e Herman - a propaganda como
principal fonte de recursos da mídia de massa -, recusam anunciantes, por apoiarem políticas
dominantes, neoliberais (ATTON, 2002, p. 37).
Um dos grandes
críticos da imprensa alternativa é o
grupo Comedia[11],
cujo artigo "A Imprenssa Alternativa: O desenvolvimento do
subdesenvolvimento" ("The alternative press: The development of
underdevelopment", 1984) aponta como motivo do "fracasso" a
"incapacidade ou indisposição da imprensa alternativa em adotar métodos de
planejamento financeiro e organização [...] capazes de sobreviver ao
mercado" e, portanto, "condenado à existência marginal" (ATTON e
HAMILTON, 2008, p. 33-34).
O fato de que o setor é tão pequeno
tem várias consequências:
primeiro, há uma quantidade muito
pequena de dinheiro no setor.
Os envolvidos na cadeia produtiva
(desde a concepção até escrita,
o projeto, a composição de layout, a impressão, a publicação, a distribuição,
o varejo) não produzem dinheiro suficiente para ser capaz de pagar salários razoáveis,
o que restringe o tipo de pessoa que
pode ser empregado - normalmente um jovem solteiro sem compromissos.
Além disso, com tão poucas oportunidades
de trabalho no setor é muito
difícil para as pessoas ampliar o
alcance de suas habilidades, e aqueles com aspirações a fazê-lo tendem
a abandonar o setor para obter uma
renda acima do nível de
subsistência. (COMEDIA, 1984, p. 96)
Este é o caso de
mídias comunitárias ou anticapitalistas, mas não necessariamente, o caso da
imprensa alternativa voltada para o jornalismo cultural, cujo financiamento é
viável mesmo por meio da publicidade, como vemos no caso da revista Vice.
Atton rebate a
crítica do Comedia, argumentando com uma afirmação de Downing, a qual diz que
muitas vezes uma publicação não tem intenção de sair do "gueto", na
"tentativa de praticar princípios socialistas no presente, e não meramente,
imaginá-los para o futuro" (DOWNING, 1984, p. 23 apud ATTON, 2008, p. 37).
Um caso atual de
sucesso de mídia anticapitalista é a revista de culture jamming, Adbusters.
Seus colaboradores são engajados em movimentos ecológicos e anticonsumeristas,
e buscam "promover o novo movimento social ativista da era da
informação" (ADBUSTERS). Sediada no Canadá, desde 1989, esta revista sem
fins lucrativos, circula 120 mil exemplares por mês e é inteiramente financiada
por assinaturas e doações.
Em suma, enquanto a grande imprensa
busca atingir o maior número de indivíduos possível - tendo nas mãos, pelo
menos no caso do Brasil, o problema da educação precária - a imprensa alternativa, de acordo com as premissas
apresentadas pelos autores acima, nos mostra a dissidência da ideologia
dominante, produzida por indivíduos engajados em causas sociais, e distribuída
não apenas em bancas de jornais e livrarias, mas em lugares que proporcionam o
debate livre entre a comunidade e a mídia, com o mínino de interferência do
sistema político-econômico.
4
– O jornalismo e a arte
Em
dezembro de 2010, na ocasião da 3ª mesa de debates organizada pelo programa Rumos Jornalismo Cultural do Itaú
Cultural, foi publicada a revista Princípios Inconstantes, dedicada à
reflexão sobre a prática jornalística de cultura. Nela, cinco artigos[12],
de diferentes jornalistas do segmento, foram produzidos no intuito de
estabelecer aspectos que possam favorecer a crítica e a reportagem cultural.
Entre as propostas apresentadas pelos colaboradores, pode-se destacar:
Experimentação
|
Ousadia
|
Enfoque / Público
|
Pluralismo
|
Simplicidade
|
Tempo
|
Inovação / Criatividade
|
Bons jornalistas
|
Sintonia
|
Liberdade
|
Design
|
Paixão
|
Na apresentação da revista,
uma frase do jornalista e diretor editorial da publicação aqui em questão,
Claudney Ferrreira, me chamou a atenção: "Com as possibilidades digitais,
cada vez mais, criar, produzir e veicular informações culturais, se confunde
com a própria expressão artística.".
Para entender melhor o que
este invólucro dos meios e das artes significa, visitei o autor da frase
pedindo que ele desenvolvesse sua afirmação. Este ratificou a teoria da
convergência e hibridação, explicando, que hoje, muitos jornalistas e artistas
utilizam as mesmas ferramentas de trabalho, tomando como exemplo, os
documentários que cumprem as funções jornalísticas e artísticas, como os de Cao
Guimarães; as revistas atuais, onde o design, mais do que nunca, é apurado e
pensado, sendo fundamental para a comunicação da mensagem; a crítica literária
que, quando bem escrita, apropria-se de técnicas criativas de texto; e, mais
recentemente, as graphic novels que,
desde 2009, têm se destacado com artistas que fazem jornalismo em quadrinhos,
como Joe Sacco. Ferreira citou também os cordéis como grande referência da
hibridação entre arte e jornalismo.
No entanto, para Ferreira,
esta hibridez aparece menos na grande imprensa, que pratica mais o
"jornalismo tradicional", através de seus padrões editoriais, que são
dignos do trabalho proposto por estes veículos. O que houve de hibridez no
jornalismo cultural da grande impressa foi a absorção das celebridades e da
polêmica que, antes, eram da seara da imprensa marrom. No entanto, alguns
jornais como O Globo, O Estado de S. Paulo e o El País produzem um bom jornalismo
cultural quando comparados com a Folha
de S.Paulo que, por sua vez, consegue dar mais notícias. Para o jornalista,
a grande imprensa se referencia demais na agenda cultural de lançamentos
(exposição, filme, livro etc.) desta indústria, sem, muitas vezes, tratar ou
discutir o produto.
Já, os veículos
especializados pensam "transversalmente" e propõem o debate crítico.
Como referência de bom jornalismo cultural, Ferreira cita a revista Trip,
a Bravo! e a Piauí, como trabalhos "legais", porém, na internet estão
os trabalhos mais interessantes como o site Ubu, que além de textos
referenciais, disponibiliza um banco de dados de arte. No mais, a vantagem do
meio virtual é que o leitor pode procurar informação específica do nicho que o
agrada, possibilitando ainda a interação. Entre os blogueiros recomendados por
Ferreira estão Humberto Werneck, José Castello e Luís Antônio Giron –
todos colaboradores da grande imprensa.
Para concluir, Ferreira
acredita que o jornalismo não tem o dever de beneficiar a arte, mas de
desenvolver sua crítica, por meio da ética e da ousadia, para ajudar tanto o
leitor como a própria arte a romper preconceitos, e iluminar elementos que não
são vistos pelo público, muitas vezes, apropriando-se das técnicas artísticas
para elaborar a produção.
4.1
– A arte da crítica
Como já foi abordado, neste
artigo, diversos aspectos do jornalismo cultural – sua abrangência,
distribuição, função, história, estilos, agenda, meios, erros e certos – para
terminar usaremao um texto que olha para o bom profissional da crítica
literária como alguém que pode transcender a arte e, figuramente, a própria
vida.
Em 1891, Oscar Wilde – que
além de poeta, ficcionista e dramaturgo, era também crítico de arte – publicou,
no livro de coleção de artigos, Intentions,
"O crítico como artista". Este artigo – que resgata o estilo de
diálogos de Platão – apresenta dois personagens com cultura erudita, Gilbert e
Ernest, que desenvolvem, numa conversa informal, um tratado de estética da
crítica de arte.
Em um ambiente burguês, que
tem como cenário a sala de estar e a noite de lua cheia, Gilbert, que apesar de
estar muito mais interessado em tocar seu piano para o amigo, conduz o
pensamento desaprovando os críticos de arte de sua época por não terem a
sensibilidade necessária para praticar tal função. Ernest, entusiasmado pelas
ideias de seu amigo, insiste na conversa sobre a história e o rumo da crítica
naquele fim de século 19 na Europa.
Quando Ernest afirma que
"a faculdade
criativa é
superior à crítica", Gilbert discorda, dizendo que esta
é uma hierarquia instável e arbitrária. "A crítica é em si uma arte", "não há arte sem autoconsciência e, autoconsciência e o espírito crítico são um". Como a arte, a crítica também envolve o trabalho de reformular
materiais existentes: Assim como "Shakespeare e Keats não buscam
seus temas diretamente na vida, mas o procuram no mito, na lenda e na fábula
antiga, os críticos tratam com materiais que outros, como foi, tenham
purificado, e já adicionado forma imaginativa e cor".
Gilbert, que acredita que a
crítica é elemento essencial do espírito criativo e sem ela não é possível
criar arte, diz que o crítico, por sua vez, demanda infinitamente mais cultura
para executar sua função, que o artista. O bom crítico, por ter um repertório
cultural superior, é capaz de encontrar na obra que analisa elementos que,
muitas vezes, não foram percebidos ou foram mal compreendidos até mesmo por seu
criador. Já o crítico culturalmente pobre fica "reduzido a repórter da
corte policial da literatura, os cronistas dos afazeres habituais do criminoso
da arte". Sendo o jornalismo moderno equivalente à mediocridade da arte
moderna.
A crítica deve ser
subjetiva, independente e puramente impressiva, em oposição à expressão do
objeto criticado. Podendo, o crítico, ser um intérprete da obra, não no sentido
de repetir a mensagem em outra forma – por exemplo, da escultura para o texto,
mas de aplicar suas próprias experiências, pois como uma revelação, apenas pela
intensificação do "eu", que entendemos o outro. "Assim como a
arte nasce da personalidade, é para a personalidade que ela será revelada, e
deste encontro chega-se à crítica interpretativa correta."
Wilde, que em outro artigo
do mesmo livro, "The Decay os Lying", escreveu que a "vida imita
a arte",[13]
afirmando que o crítico pode transcender o mero autoconhecimento por meio da
faculdade da interpretação:
[...]
com o desenvolvimento do espírito crítico, nós poderemos perceber não apenas a
nossa vida, mas a coletividade da vida da raça, e então, nos tornarmos
absolutamente modernos, no verdadeiro significado da palavra modernidade. Para
quem o presente é a única coisa presente, nada sabe da época que vive. Para
compreender o século 19, é preciso compreender todos os séculos que precederam
e contribuíram para sua formação. Para saber qualquer coisa sobre si próprio, é
preciso saber tudo sobre os outros.
Gilbert justifica e separa a
função do jornalismo e da crítica. É no jornalismo que as pessoas encontram a
expressão, "nos provendo as opiniões dos não educados e, assim, nos
mantendo em contato com a ignorância da comunidade", ficando, então, a
encargo da crítica, a concentração da cultura: é ela que "destila a
massiva produção artística e a transforma em essência".
CONCLUSÃO
O termo vanguarda, que na arte se destina às criações não ortodoxas e
experimentais, pode ser empregado também no jornalismo, assim como em qualquer
campo da ciência, contanto que demonstre conhecimento insólito. Vale lembrar
que esta palavra vem do francês, avant-garde,
e faz analogia à posição dos soldados que ficam na dianteira de uma batalha. Se
traduzido no sentido literal, avant significa
frente, e garde, guarda, guarda de
frente. Ou seja, é a unidade do exército, em português, chamada de infantaria,
que, em uma guerra, explora o terreno, busca ocupar posições estratégicas de
batalha, monitora e impede o avanço do inimigo, assediando sua desistência.
O jornalismo alternativo tem
como umas das principais características ser inusitado e ousado – assim como a
infantaria deve agir para surpreender o adversário. Ele busca novas formas de
chegar ao público e, quando bem-sucedido, é usada em outros meios. Paulo
Francis, por exemplo, que iniciou sua carreira obscuramente, abusando de
cinismo e sarcasmo, logo caiu no gosto do público e, a partir de então,
colaborou para a grande imprensa. Quando terminou sua carreira, e sua vida,
estava na Rede Globo.
A ousadia, tanto na
linguagem como na estrutura dos veículos alternativos, abre caminhos e pode
reorganizar a ordem estabelecida. No entanto, quando esses veículos ou mesmo os
jornalistas e artistas que os produzem, caem no gosto popular, ficam na
eminência de perder seu brilho especial e acabarem pasteurizados pela linguagem
homogênea do discurso dominante. Um bom exemplo recente de um grupo que perdeu
o apelo são os comediantes do programa "Hermes e Renato", que ao
deixar a MTV (que apesar de ser do Grupo Abril e à Viacom disponham de
liberdade de criação), mudaram drasticamente sua forma de fazer humor, devido
às censuras impostas pela sua nova contratante, a Rede Record. A propósito esta
não foi a primeira vez que artistas que ganharam reconhecimento na MTV, foram
contratados por outros veículos maiores e tiveram sua reputação abalada. Cazé
Peçanha, VJ do canal desde 1995, já "ficou na geladeira" da Rede Globo
por um ano e meio entre 2000 e 2001, voltou para MTV. Em 2007, ele recebeu uma
proposta da Band, mas na ocasião não aceitou alegando ter mais liberdade no
canal musical. (LUIZ, 2011) Tendo mudado de ideia, em 2012, onde permanece com
o programa jornalístico A Liga. Deve-se
notar, no entanto, que algumas vezes a transição de carreira dos apresentadores
da MTV são positivas ou neutras para eles. Paulo Bonfá, que ganhou notoriedade
como o programa de rádio Os Sobrinhos do Ataíde, em 1995, ficou na MTV entre
2003 e 2010, e hoje apresenta um
programa na SportTV (canal por assinatura da Organizações Globo), sem perder o
embalo da sua linguagem usada desde o início de carreira.
A revista Vice é frequentemente criticada por
ter "se vendido" para a grande mídia, mas ao analisá-la, temos a
impressão que ela conseguiu manter sua proposta um tanto audaciosa para esta
sociedade que parece temer o politicamente incorreto. Talvez ela tenha
amadurecido no sentido de dar notícias de cunho mais político-social – como
acontecem em muitos filmes produzidos pelo seu canal de TV on-line, VBS, e
mesmo com artigos na revista[14]
– mas ainda assim, ela não abandonou seu tom irônico característico da revista.
Em uma matéria no jornal londrino The
Independent, o editor internacional da Vice, Capper, diz:
Não é fácil para maiores organizações midiáticas engajarem
jovens em assuntos atuais [referindo-se à política], mas a questão está em como
este material é apresentado. Há pessoas por aí que
querem aprender, e que não querem ser inferiorizadas. (CAPPER apud
Substance over style, 2010)
O estudo mais aprofundado da
imprensa alternativa no Brasil, e comparado com mais diversidade de veículos
grandes, pode ser muito iluminador neste período de incertezas quanto ao futuro
dos veículos e dos profissionais de comunicação devido à crescente oferta de
informação, principalmente, on-line e às críticas advindas de grupos como o
Block Part e propostas inovadoras como o Miídia Ninja: este estudo pode
enriquecer tanto os modos de produção e distribuição, como o discurso
ideológico, – pelo "bem" ou pelo "mal" – fundamental para
fisgar parceiros e adeptos, nesta sociedade cada vez menos limitada por
fronteiras geográficas.
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WILDE, Oscar. Intentions. Nova York: Mondial Books, 2007.
[1] TEste livro
consta na lista de referências com a edição da Mondial Books, de 2007.
[2]A ORIGEM das palavras. Site de Etimologia. Disponível em:
<http://origemdapalavra.com.br/palavras/cultura/>. Acesso em: 27 maio
2011.
[3] The Creator's
Project: About 2011. The Creator's Project.
Patrocínio: Vice Media e Intel Corporation. Disponível em:
<http://media.thecreatorsproject.com/uploads/event_photos/press_release_portuguese_05.18.10.pdf>.
Acesso em: 14 jun. 2011.
[4] As noções de "ideias viáveis através da
tecnologia" e de "conexão emocional com a ciência"
são apropriadas de depoimentos extraídos do vídeo institucional, The Creator's Project: About 2011, do
Creator's Project, dos artistas Stefan
Saigmeister e Cassette Playa, respectivamente. Ver nota anterior.
[5] Apesar de
Jenkins delimitar este fenômeno dentro dos Estados Unidos, pode-se observá-lo
também no Brasil.
[6] Alguns exemplos de veículos, além dos blogs amadores, que
não são patrocinados por anunciantes, são a BBC e a revista canadense Adbuster.
[7] Citado por Santaella em Por que as comunicações e as artes estão convergindo (2005).
[9] Culture Jamming é um movimento de conscientização sobre efeitos negativos do consumismo
exacerbado no meio ambiente. Os Culture Jammers, por meio da arte, passeatas e intervenções urbanas,
atacam a indústria cultural e
as práticas abusivas de poder das corporações multinacionais. (LOYD, 2003)
[10] Atton baseia-se no autor do livro Mídia Radical Alternativa - Rebeldia nas Comunicações e Movimentos
Sociais (2003), John Downing, cujo trabalho é referenciado frequentemente
em estudos sobre o assunto.
[11] Comedia foi criado (originalmente
como o Grupo de Imprensa Minoritária) em 1978 para realizar pesquisas sobre os problemas
enfrentados pelos jornais comunitários, e por publicações de minoria, tentando entrar no mercado de distribuição de massa. Este artigo foi escrito por Charles Landry, David Morley
e Russell Southwood,
parceiros da Comedia.
[12] "Movimento do Desassossego", de José Castello;
"O Princípio Vital", de Matias Suzuki Jr.; "Efeito Oh!", de
Luís Antônio Giron; A Intenção da Virtude", de Mario Helio; e "Paixão
e Conhecimento", de Guillermo González Uribe.
[13] Uma das 4 doutrinas do Asteticismo propostas por Vivian
– interlocutora deste outro
artigo/diálogo, "The Decay os
Lying" com Cyril, que, em
suma, são: "A arte nunca expressa nada mais do que ela mesma",
"Toda a mea arte provém do retorno à Vida e à Natureza, elevando-as em
ideais", "A Vida imita a Arte muito mais que a Arte imita a Vida"
e "Mentir e contar coisas belas não verdadeiras é o objetivo da
arte."
[14] Filmes sobre a situação política da Libéria, da Coreia do
Norte, e entrevista com personalidades como o editor do jornal britânico The Private Eye ou o cinesta Werner
Herzog.
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